127 Horas

Passei a maior parte da sessão de 127 Horas pensando em outro filme, Enterrado Vivo. Os dois partem de premissas parecidas: de uma hora para outra, seus protagonistas se vêem presos, isolados, reféns de situações de angústia física e mental. As semelhanças param por aqui. Enquanto o filme de Rodrigo Cortés tem um roteiro completamente ficcional, a trama do último longa de Danny Boyle é baseada numa história real. E as diferenças não estão apenas na sinopse, mas nas opções, ou mesmo no estilo de cinema que seus diretores escolheram.

Enterrado Vivo, diante de sua invenção, poderia facilmente recorrer a elementos extra-cenário para dar mobilidade a sua trama complicada de se filmar: um homem acorda dentro de um caixão. Mas o roteiro é radical: nunca, em hipótese alguma, abandona sua espremida locação, e, dessa forma, convence na composição da claustrofobia imposta ao protagonista que nunca existiu. 127 Horas, por sua vez, parece nunca acreditar suficientemente na força de sua história verdadeira e usa todos os subterfúgios possíveis para ilustrar a situação extrema pela qual passa seu personagem real.

Dicotomia pura.

A lógica da montagem é a da TV aberta: ilustrar ao máximo cada situação. E Danny Boyle, vocês sabem, ilustra que é uma beleza. Um exemplo simples: se James Franco está com sede aparece um clipe com velocidade acelerada e overdose de filtros com imagens de água, refrigerantes, cervejas e banhos em geral. Resultado: o filme ganha agilidade e não reforça o drama do personagem. Faltam momentos de vazio, largando o som ambiente e o ator à própria sorte. Faltou alimentar essa angústia.

As alucinações materializadas e os flashbacks familiares, aos quilos, parecem alienações que só fazem o foco sair do que realmente interessa. E, convenhamos, a história já é forte o bastante para atrair o espectador. Pior ainda é quando os escapismos são gratuitos, como a câmera subjetiva até o carro (em fast, claro) ou primeira saída da fenda. Essa última é um golpe dos mais baixos, revoltante, uma sequência completamente desnecessária que, inclusive, deixa dúvidas sobre a cena anterior.

Eu deveria dizer que a culpa de 127 Horas não ser uma catástrofe completa é de James Franco, que, nos intervalos comerciais, consegue dar corpo ao desespero de seu personagem numa interpretação cheia de belos momentos, como na cena do talk show (a única em que as artimanhas do diretor realmente funcionam). Mas Boyle resolve bem algumas cenas angustiantes, como a sequência em que Aaron põe fim a seu drama. São cenas que fazem o filme valer. Mesmo assim, Enterrado Vivo ainda é bem melhor. Ficção supera realidade? Nesse caso, sim.

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[127 Hours, Danny Boyle, 2010]

Comentários

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7 comentários sobre “127 Horas”

  1. É que a todo instante no caixão me lembrava da Uma Thurman tentando furar o caixão. Não me saia da cabeça. Era como se eu quisesse dizer para ele: Você não assistiu Kill Bill não foi??! Vai entender. Um abraço Chico.

  2. Pois é, Chico, acho que o problema de 127 HORAS é mesmo esse olhar atenuante do Boyle, que tenta a todo tempo dar a seu filme um ar “feel good”. Me parece que é um pouco de receio de apostar num olhar mais radical e brutal e tornar o filme chato, enfadonho. O que não necessariamente teria acontecido. Como disse no meu texto lá no blog, fiquei imaginando o que seria essa história dirigida por um Werner Herzog, por exemplo…
    Mas, por outro lado, acho que o Boyle consegue fazer, dentro de sua proposta, seu filme funcionar. Acho que essa tentativa de atenuar uma história dura, aqui, incomoda bem menos que no QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?, por exemplo.

  3. O engraçado nisso tudo é que, embora concorde com algumas das observações, o efeito deste filme em mim foi superior ao ENTERRADO VIVO. Queria ter sentido a ânsia, o desespero e o medo neste segundo filme. Mas, não passei de um mero espectador sentado na poltrona do cinema me recordando de Kill Bill. Já no filme de Boyle, eu me rendi por completo. A cena em que Aaron põe fim ao teu drama, me fez parecer um liquidificador de sensações. A ficção pode até superar a realidade. Mas esta lateja em todos os sentidos. E cá para nós, até o silêncio em Boyle é cheio de movimento.

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