A Hora e a Vez de Augusto Matraga

Existem qualidades evidentes neste novo A Hora e a Vez de Augusto Matraga, mas seu maior defeito, digamos assim, é manter uma grande distância de sua obra mãe, coincebida por um dos maiores autores da literatura brasileira, Guimarães Rosa. À primeira vista, o filme – que entra em circuito quatro anos depois de estrear e ser premiado no Festival do Rio, devido a uma complicada disputa judicial com os herdeiros do autor – parece ter tudo no lugar (direção, roteiro, elenco, fotografia), mas oferece não muito mais do que uma versão “limpa “da obra que o originou, uma espécie de faroeste brasileiro mitológico e com forte consciência política e religiosa, cheio de figuras de linguagem.

Percebe-se o esforço de Vinícius Coimbra, até então um cineasta estreante em longas, com formação televisiva, para deixar tudo digno. O filme tem bastante chance de fazer uma boa carreira nos cinemas porque, de certa forma, “traduz” a complexidade de Guimarães Rosa para um público não iniciado. Os nomes conhecidos e o belo acabamento visual o transformam num programa decente e agradável, mas os planos estudados e o elenco bem marcado e ensaiado não são suficientes para que a personagem central faça a curva dramática necessária no momento em que seu conflito é entre sua recém alcançada fé e sua natureza.

Esta conversão, obrigatória para uma adaptação deste material, é muito bem executada na primeira versão do conto para o cinema, um dos grandes filmes brasileiros de todos os tempos, dirigido por Roberto Santos, em 1965. Santos, por sinal, imprime a seu longa uma identidade que, mesmo que não sendo uma cópia literal da proposta de Guimarães Rosa, é uma tradução bastante fiel de sua proposta, além de uma aula de montagem, algo que deixa a desejar neste novo filme. Um dos problemas do longa de Coimbra é a costura. As sequências parecem funcionar soltas, mas não levam umas às outras, fazendo o filme abrir mão de uma unidade e de construir a expectativa para as cenas mais cruciais, como o duelo final.

João Miguel, que substitui Leonardo Villar no papel-título, tem todo o talento necessário para comover o espectador nesta história de conversão e reconstrução, mas parece lutar sozinho no meio do sertão. Embora haja vários atores bons no elenco, somente com José Wilker, que vive Joãozinho Bem-Bem, com quem o protagonista divide boa parte de seus diálogos, é que surge uma alquimia realmente atrativa. É o último papel do ator no cinema, assim como também a despedida de Chico Anysio, muito à vontade como o major Consilva, mas pouco aproveitado. Os demais, ora parecem deslocados, caso da ex-mulher de Coimbra, Vanessa Gerbelli como Dionorá, ora pouco explorados, como Irandhir Santos, o Quim Recadeiro.

Mal comparando, A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Vinícius Coimbra, está para Guimarães Rosa assim como Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles, está para José Saramago. Existe muita dignidade e respeito envolvidos e uma vontade grande de acertar, mas diante dos monstros originais, os filmes parecem tímidos ensaios que deixam muito a desejar. A ousadia ficou pelo caminho.

A Hora e a Vez de Augusto Matraga ★★½
[A Hora e a Vez de Augusto Matraga, Vinícius Coimbra, 2011]

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