Babel

Alejandro Gonzalez Iñarritu ficou irritado quando resolveram comparar seu Babel com Crash, vencedor do Oscar de melhor e do Alfred de pior filme do ano passado. Segundo ele, que afirma odiar o longa de Paul Haggis, seu trabalho não julga suas personagens, coisa que o outro filme faz de sobra. A declaração me tomou de surpresa porque o longa do mexicano não me parece nada mais do que uma versão globalizada das fatalidades do filme de Haggis. Mas, pensando bem, dá até para concordar com ele: ao contrário de Haggis, o mexicano não procura determinar o caráter de seus protagonistas e condená-los à corrupção do espírito. Babel, por determinado prisma, é mais cruel porque, nele, o carrossel de fatalidades é apenas um mecanismo com que o diretor se reserva o direito de brincar.

O modelo labiríntico que Alejandro Gonzalez Iñarritú vem desenvolvendo desde que começou a filmar é, ao que parece, a idéia que se tem de bom cinema hoje em dia. A administração de histórias paralelas e de seus entrelaces e interrelações requer certa arquitetura de roteiro e direção, um trabalho que aparenta ser mais braçal – e é – do que as narrativas lineares. O modelo não é novo. Robert Altman se utiliza dele há cerca de quarenta anos e, mesmo com alguns tropeços, produziu muita coisa boa. Mas o que parece se querer enfatizar nesses novos exemplos é uma disposição sociológica de seus novos maestros.

A proposta de Iñarritú foi lançada com eficácia em Amores Brutos, reprisada, mas enfraquecida, em 21 Gramas, em que os atores são muito melhores do que a história em si, e radicalizada em Babel, que, em muitos momentos parece mesmo uma metástase de Crash. A fórmula de isso-influencia-aquilo ganhou proporções internacionais, com eventos mínimos provocando conseqüências além-mar. Ainda que em menor intensidade, como no filme de Haggis, o longa lança olhares castradores sobre o homem e suas ações, olhares prontos para prender, julgar e executar.

Apesar de ter talento para a direção de atores, Iñarritú não consegue arrendondar as relações entre as histórias muito bem. A facção japonesa é a mais isolada, ligada às outras por um fiapo bem frágil. O drama no Marrocos, quase inerte, parece apenas um apêndice da história que realmente interessa ao diretor, a mexicana, a única que tem vida própria e a que guarda a melhor interpretação do filme, a de Adriana Barraza. No entanto, tal qual Crash, o filme tenta esconder sua fragilidade num tom de denúncia, denúncia de comportamentos, que invade as três histórias.

A linha, necessariamente fatalista em tempos de terror e desconfiança étnica, virou vício do roteirista Guillermo Arriaga, ao mesmo tempo em que se posiciona contra injustiças, ajuda a reforçar diferenças, na estilização das atitudes das personagens, sobretudo as periféricas. O que mais assusta é Arriaga e Iñarritú podem também estar iludidos de que completaram sua missão, missão que a princípio seria tipicamente norte-americana, mas que foi executada por mexicanos, que ganhou prêmio em Cannes, que ganhou o Globo de Ouro, que é apontado como forte candidato ao Oscar – duvido que ganhe – e que possivelmente vai exaurir o cinema deles. Mas com o decreto de que histórias esquartejadas pessimistas são o que há de bom cinema feito hoje, pode ser que eles sejam mais e mais celebrados. E o errado seja quem não está do lado deles.

Babel Estrelinha
[Babel, Alejandro Gonzalez Iñarritú, 2006]

Comentários

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10 comentários sobre “Babel”

  1. Marlos, ete projeto do Meirelles deveria ter sido rodado antes de “O Jardineiro Fiel”. Não sei se ficou em pé.

    Anderson, lembro, sim. Dei uma passada no seu blogue. Bem legal.

  2. Achei que valorizaram muito esse filme, mas logo que assisti, vi que não era tudo isso não. Destaque aos atores desconhecidos, e como as 3 histórias
    se ligam, mas fica por aí. Previsível, um tanto parado. Vale a trilha sonora.

    * Agora, o que o Guilherme Del Toro, conseguiu fazer com O Labirinto do Fauno, isso sim é digno de valorização.

  3. Oi Chico! Tudo bemw acho que não se lembra de mim, mas nos conhecemos rapidamente na Mostra (SP). sou amigo do Dani (The bridge). Concordo com você sobre babel… E olha que eu tinha esperanças de gostar, hehe!

  4. “Caché” no Alfred, não?

    Eu não acho que “Babel” vá ganhar o Oscar não, Michel. Sua semelhança com “Crash” vai ser fatal.

  5. Não sou chegado no filme, mas não chego a detestá-lo como vc… mas ele vai levar o Oscar, podes crer!!!

    E já começo a campanha, Caché como filme do ano no Oscar rsrsrs

  6. Eu entendo suas considerações a respeito do filme e inclusive as respeito. Mas não concordo. Porque sou do time que julga um filme independente da idéia. Posso ver um filme que defenda o nazismo e, se o mesmo defendê-lo de forma honesta, interessante, emocionante (entenda por emocionante: é capaz de te fazer sentir tudo aquilo que o diretor gostaria que sentisse ao ver o filme, e aqui cabem palavras como felicidade, tristeza, ódio, amor, medo, etc) e convincente, não tenho problemas em aplaudir o filme. Finalmente pude assistir a Babel ontem. E independente das idéias defendidas pelo mexicano, gosto deste cinema globalizado, que fala várias línguas, que abraça várias nações. Concordo que a história japonesa pareça deslocada, mas todas as três tratam de (in)tolerância, da dificuldade de se fazer aceito, da dificuldade de se comunicar. Enquanto uns falam várias línguas, outros não escutam uma única palavra. Fora a brincadeira com o efeito borboleta, onde um rifle bate asas no japão e causa terremotos no México.

    Entendo também seu medo de que este suposto novo bom cinema caia na fórmula histórias picotadas + histórias paralelas. Mas assim como você, receio que a crítica especializada coloque tudo no mesmo balaio e também trate tudo como lixo. Por mais razos e forçados que alguns pareçam, no mínimo entretenimento todos são. Nem que seja apenas para ligar os pontos, como você bem sugeriu. No geral achei Babel um filme difícil, com um montagem bem mais linear que os outros dois filmes de Alejandro, mas com uma trilha que incomoda, com uma fotografia que cansa a vista, com silêncios para lá de incômodos também, com conflitos que se prolongam propositadamente para evitar o consumo fácil e efêmero dos mesmos. Ou seja, bem diferente de Crash, que é pop em quase todos os aspectos.

    Há um tempo li que Fernando Meireles preparava um filme que pela descrição lembraria bastante esse. Seriam seis histórias que rolariam em seis locações diferentes no mundo, mas teriam um elo comum. Sabe dizer se ainda vai rolar este filme?

  7. Ainda não assisti Babel. Concordo com o que disse Iñarritu sobre Crash, um filme em minha opinião muito supervalorizado. Quanto à crítica, embora eu não tenha assistido ao filme, eu louvo pelo príncipio e pela agudeza necessária, além de ter sido muito bem escrita. Agora, quanto ao Oscar, eu o considero a cada dia menos relevante. Um abraço:)

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