Brilho Eterno de um Mente sem Lembranças

Charlie Kaufman é um autor ingênuo. E mais ingênuo ainda é quem percebe revolução no cinema que ele faz. Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças não vai muito além do que se espera de um romance convencional, reproduzindo clichês e recorrendo a fórmulas. Mas isso não conta contra a obra de Kaufman. O amor pelo processo de fazer um filme é o que ganha destaque na obra do autor. Kaufman ama a mecânica, que talvez ele nem entenda muito bem. Seu cinema busca caminhos para a confusão do criador, caminhos paralelos à narrativa inicial onde o simples ganha forma diferente pela evidência da mecânica.

Neste novo filme, Jim Carrey ama Kate Winslet, mas alguma coisa deu errado no relacionamento dos dois. E ela quer apagar de seu cérebro as evidências deste romance (o que, no mundo kaufmaniano, é possível). Carrey descobre o golpe e resolve repetir a solução da amada, mas desiste no meio do caminho, quando já é um corpo inconsciente à mercê dos técnicos especializados em apagar memórias. A batalha pelo amor é travada, então, no plano psíquico, caríssimo ao roteirista. Kaufman não gosta nem tenciona explicar, seu objetivo é discutir o processo, brincar com a estrutura e contar uma história com pé e cabeça.

O inventário de encantos e desencantos que é Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças revela um autor romântico, que celebra, de sua maneira pessoal, o amor de um por outro. Autor tão embebido pelo tema que se torna relapso ao adotar lugares tão comuns quanto os que o espectador é forçado a recordar. O filme, na sua essência, reproduz, apartado o disfarce, a idéia de amor maior que tudo, protótipo de qualquer historinha que embala aqueles livros de bolso que minha tia gostava de comprar na banca de revista.

O grande trunfo nisto tudo é conseguir dizer o que já foi dito com inteligência. Jim Carrey, pela primeira vez na vida, não é um comediante, mas um ator. Sua performance só não é melhor que a de Kate Winslet, que não entregava um personagem tão bem desenhado desde Almas Gêmeas (Peter Jackson, 1994). E os coadjuvantes ganham desenvolvimento invejável no texto. Em especial, Kirsten Dunst, numa belíssima e pequena participação. A revolução de Kaufman é muito mais interior do que os mais imediatos acreditam. É o reflexo de quem tem idéias, volto a dizer, ingênuas, não maculadas pela lógica da inteligentícia de hoje que é preciso desmontar. Kaufman desmonta para enganar o bobo na casca do ovo. Ele é apenas mais dos que acreditam em alguma coisa. Isso não é bom?

Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Eternal Sunshine of the Spotless Mind, Michel Gondry, 2004]

 

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