Jia Zhang-ke

A imagem mais importante do século passado tinha um homem e quatro tanques de guerra. Para ser mais exato, um anônimo bloqueando a passagem de quatro tanques de guerra. Era 1989, na China. Num lugar conhecido como Praça da Paz Celestial. Trabalhadores, estudantes e intelectuais comandaram um movimento em nome da democracia. Um momento isolado na história do país. Um caso de revolta que tomou forma e que, na era da informação, ganhou os jornais, as revistas, a tevê.

Mesmo assim, os revoltados perderam. O rapaz que enfrentou os tanques foi retirado de lá para não ser esmagado. Como a China costuma fazer com quem atravessa seus propósitos. Em Busca da Vida, filme de Jia Zhankg-ke, é sobre pessoas esmagadas. Pessoas cujas histórias ficaram à margem dos objetivos do país de aumentar suas riquezas e de se tornar uma grande potência. Objetivos tão autoritários que custam sua própria geografia. Como uma pretensa celebridade em busca da fama, a China transforma seu corpo.

Mas as incisões numa nação do porte desta afetam milhares e milhões. “Procura um emprego ou uma pessoa?”, perguntam ao protagonista no começo do filme. Ele procura os dois. Um emprego para sobreviver num país em que é preciso se adaptar às novas realidades e mudar a todo momento. Uma mulher e uma filha para tentar reconstruir uma vida ou uma família que se perdeu no passado, que não sobreviveu às transformações impostas em seu seio.

E, no meio da busca, Zhang-ke pede permissão e nos apresenta outra personagem. Outra em busca. Outra que traduz a solidão da distância; outra que quer a transformação. De outro modo, com outro propósito. “Não fique brava comigo. Pra mim também é difícil”, ela ouve. E o pior que deve ser mesmo. Escolher se afastar, decidir ignorar, driblar a saudade, a nostalgia. E ser surpreendido pelo que o tempo faz. No meio destas duas buscas, pistas falsas, coincidências quase perversas, desencontros. No fim das contas, as as pessoas ficam com as ruínas de suas vidas. Com os ecos das transformações.

Mudanças que inundam as vidas de quem mora por lá. Que trazem celulares e Chow Yun-Fat e que transformam donas de casas, senhoras, ‘mulheres de verdade’, em putas. Quem se importa? O que é um na terra de um bilhão? Num país que se encarrega de restringir, conter, segregar, diminuir, se arrepender é pecado e desfazer o que se fez pode não ter volta. Diante de tanto absurdo numa nação que maltrata por tradição, o quão absurdo é ver um disco voador ou testemunhar um prédio levantar vôo?

Voltar para casa não tem mais sentido porque não há mais propriamente uma casa. Os tanques chegaram antes. Não é irônico que as paisagens permaneçam intactas em notas de dinheiro?

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[Still Life, 2006, Jia Zhang-ke]

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