Disque M para Matar

Alfred Hitchcock não se orgulhava muito de Disque M para Matar. Classificava como “filme feito sob encomenda” para justificar o contrato com a Warner já que seu projeto da vez não estava caminhando. Dá para entender. Diante de uma filmografia tão vasta quanto cheia de pérolas, dá para considerar a adaptação da peça de Frederick Knott, roteirizada pelo próprio autor, como um Hitchcock menor, mas ainda assim temos um belíssimo filme, cheio de pequenas ousadias. A maior delas talvez seja ter rodado o filme num sistema que só era utilizado em filmes justamente “menores” na época, o 3D.

Para dar mais dramaticidade à cena da tentativa de assassinato, o cineasta enterrou uma câmera no assoalho e filmou em contra plongée, de baixo para cima, jogando o espectador dentro dos eventos. A utilização, embora não possa ser comparada em nível de tecnologia, é algo como o que Martin Scorsese tentou fazer em A Invenção de Hugo Cabret. Em menor escala, obviamente. Há poucas cenas em que o 3D faz realmente a diferença. O suporte está ali para ajudar a afirmar a trama do filme e não como perfume. E a trama já começa pelo avesso, como Hitchcock fez algumas vezes me sua carreira. A tensão não surge do “whodunit?” (“quem fez?”), mas de como o vilão, que se revela de início vai sustentar seu plano. Um ponto de vista que cria uma certa empatia do público para com ele.

Em Disque M para Matar, Hitchcock repete a experiência de Festim Diabólico, de fazer um filme dentro de um só ambiente. Existem pouquíssimas cenas fora do apartamento onde tentam matar Grace Kelly. Mas, sem a proposta de um filme sem cortes aparentes, Hitch assume outro desafio. Transformar um texto feito para o palco num filme dinâmico. Como ele se recusa a sair do cenário principal, o que em sua visão enfraqueceria a principal característica do material original, a “concentração da ação”, o diretor aposta na montagem ágil, que junto com a trilha de Dimitri Tiomkin, deixa o espectador sem fôlego mesmo quando a cena é apenas uma conversa entre Ray Milland e o criminoso. O ator, por sinal, está brilhante, dono de um sarcasmo delicioso, numa de suas maiores interpretações. O inspetor-chefe de John Williams, por sua vez, é a garantia cômica desse filme refinado. Rouba todas as cenas em que aparece e, mais, é o responsável por emprestar o humor hitchcockiano ao filme.

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[Dial M for Murder, Alfred Hitchcock, 1954]

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