Lav Diaz

O filipino Lavrente Indico Diaz tem 57 anos, dirige filmes há 27, acabou de completar seu 25º trabalho, mas é um ilustre desconhecido no Brasil. Ilustre porque aqui, no ano passado, seu filme Do Que Vem Antes foi eleito o melhor da Mostra de Cinema de São Paulo, prêmio do público. Desconhecido porque nenhum de seus longa-metragens havia sido lançado nos cinemas brasileiros. Pelo menos até agora. Norte, o Fim da História, desde já um dos melhores filmes estreados neste ano, está em cartaz em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza, feito histórico para um filme que tem 490 minutos. Ou seja, quatro horas e dez minutos de duração. E este é um dos menores longas de Laz. Um de seus trabalhos mais conhecidos é Evolução de uma Família Filipina, que mais que o dobro desse tamanho. O cineasta gastou um tempinho para bater um papo com o Filmes do Chico e falar sobre seus filmes, seu método de trabalho e confessou que adora James Bond.

Norte, o Fim da História é seu primeiro trabalho lançado comercialmente no Brasil. Antes disso, alguns de seus filmes foram exibidos em festivais de cinema brasileiros. O que você espera deste namoro com nosso país?

Naturalmente, agora haverá mais exposição para Norte. Obrigado. Espero que isso abra uma porta para meus outros trabalhos e para outros filmes filipinos.

O Brasil conhece muito pouco do cinema filipino. E você? Conhece algo do cinema brasileiro?

Eu não tenho tanta familiaridade com o cinema do Brasil, mas vi alguns dos trabalhos de diretores como Glauber Rocha, Walter Salles, Eduardo Coutinho, entre outros.

Norte foi realmente inspirado em Dostoievsky? Como você criou esse script?

O Raskolnikov, de Crime e Castigo, foi uma inspiração pro personagem Fabian. Nós tínhamos um script na pré-produção, mas eu reescrevi mais de 90% do roteiro durante as filmagens. Meu processo de criação flui muito enquanto eu filmo.

Sid Lucero entrega uma performance excepcional em Norte. Ele começou a carreira com você e se tornou um ator famoso nas Filipinas. Como foi trazê-lo para o projeto?

Sid Lucero começou a carreira dele num filme meu, Heremias, rodado em 2005, quando ele ainda era muito jovem. Então, ele já estava bem familiarizado com meu processo de filmar em longos takes únicos, sem cortes. Quando nós nos reunimos para fazer Norte, foi fácil pra ele. E, desde o começo, pensamos exatamente no Sid para fazer o papel de Fabian.

Qual seu método de trabalho? Você planeja cada cena? É um trabalho monumental em filmes como os seus.

Eu sou muito aberto. Não há nada de muito definitivo na minha forma de trabalhar. Às vezes, tem um script; às vezes, não tem nada, embora procurar locações seja uma parte muito importante do meu processo. A partir do momento em que eu decido filmar em determinado local, ele se torna parte fundamental do meu planejamento estético e serve para ajudar a moldar tanto a narrativa quanto as personagens. Eu aceito e abraço assuntos e ideias que surgem durante o processo de criação, mas eu imponho um certo nível de disciplina na hora de inclui-las no roteiro final. Nós nos preparamos muito bem.

Os críticos geralmente elogiam bastante seu trabalho, mas você fica incomodado quando o foco das discussões é a duração de seus filmes em vez do conteúdo deles?

Não me incomoda que as pessoas me perguntem sobre a duração dos meus filmes. É um dado. As pessoas não estão acostumadas com filmes desse tamanho e eu preciso conviver com isso. O que me incomoda mais é perceber que as pessoas realmente estão condicionadas a aceitar a noção de que uma pessoa só consegue assistir filmes de 90 até 150 minutos. Esta duração foi imposta por interesses meramente comerciais e só existe para que se tire o máximo de lucro de um filme. Por causa disso, há um ressentimento quase automático em relação a filmes maiores. E eu sempre tenho que me esforçar para dizer para as pessoas que o cinema é uma das maiores forma de se expressar. Cinema é ARTE, então, é LIVRE.

Recentemente, eu assisti a uma cópia restaurada de Manila nas Garras da Luz, de Lino Brocka, uma obra de arte que parece muito com um certo cinema social brasileiro dos ano 70. O que é que você pensa deste filme?

Foi o filme que me inspirou a ser diretor. Eu assisti no primeiro ano da minha faculdade. Era 1975 e nós estávamos mergulhados na temporada mais dura e cruel da história do nosso pais havia três anos, uma época de lei marcial. Nosso professor pediu para que nós víssemos o filme e escrevêssemos sobre ele. E eu tive uma espécie de epifania depois de assistir ao filme. Percebi que queria ser um cineasta. E que o cinema poderia ser relevante, uma ferramente potente e efetiva para mudança.

De que tipo de cinema você gosta hoje em dia? Você tem diretores favoritos?

Eu assisto tudo, de James Bond a Pedro Costa até os primeiros trabalhos dos irmãos Lumière e o novo filme do Hou Hsiao-hsien. Sou viciado em cinema.

Última pergunta, talvez um pouco retórica, mas acho que ela pode ajudar a entender a profundidade de seu trabalho: o que te motiva a fazer filmes?

Eu tenho fé no cinema. É minha igreja. Realmente acredito nos filmes. Eu acredito que ele pode ajudar na luta da humanidade.

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