UMA PREMIADA PROFISSÃO DE RISCO

Estereótipos à parte, a indústria adora atrizes que se transformam em prostitutas

Além de linda, Charlize Theron deve ser uma mulher de coragem. Antes dela, muitos atores já haviam se sujeitado a desfigurar o corpo, com maquiagem ou não, para encarar um papel promissor, mas em poucas vezes esse personagem era o de uma prostituta psicótica responsável por uma série de assassinatos. A escolha de Charlize pode até ter sido influenciada pelo histórico de prêmios para atores deformados em seus papéis.Roberto De Niro, Touro Indomável, Oscar de melhor ator em 1980, é o exemplo mais óbvio. Mas se De Niro tinha Martin Scorsese para guiar sua interpretação, Charlize Theron contou com a desconhecida Patty Jenkins. Tiro no escuro.

Em fevereiro deste ano, a coragem da atriz ganhou seu último prêmio: o Oscar, saga que começou com láureas em festivais importantes. Muito barulho por pouco. Charlize Theron nem está tão bem. Sua interpretação até injeta alguma dignidade a uma personagem mal desenhada, de motivações confusas e essencialmente construída na base dos clichês. Na falta de uma orientação melhor, a loira recorre instintivamente ao subterfúgio dos lugares-comuns para compor a protagonista de Monster. A maquiagem, esta sim merecedora de aplausos, parece ser a única justificativa para o prêmio. A atriz é outra pessoa sob todos os prismas.

Patty Jenkins, que também assina o roteiro, fez um típico filme urbano dos anos 70. A despeito da época em que se passa a história, Monster guarda poucas qualidades (a ambientação) e muitos defeitos do cinema independente desta década (personagens mal acabados, edição corrompida). A principal coadjuvante, Christina Ricci, sofre com a indefinição de seu papel: sem qualquer transição, passa de ingênua a oportunista. O maior defeito de Jenkins é apostar todas as fichas na força da “interpretação” da maquiagem de Charlize e esquecer de dirigir o filme.

Mais de trinta anos antes de Charlize Theron ganhar seu Oscar, outra atriz que encarnava uma prostituta levou o prêmio para casa: diferentemente da loira, Jane Fonda já tinha currículo e nome. Mais diferentemente ainda, ela tinha um roteiro bem escrito e uma direção competente por trás de seu trabalho. Klute – O Passado Condena, a história do encontro entre um detetive e uma prostituta perseguida por um psicopata, é mais um filme elegante de Alan J. Pakula. O texto explora os pequenos espaços e personagens de uma grande cidade.

Aqui, Jane Fonda, que além de poder preservar sua beleza ainda ganhou o reforço da excelente fotografia de Gordon Willis, está realmente bem no papel. Sua personagem é simples, mas o roteiro não deixa que ela se renda aos chavões. Klute é um filme de suspense, construído como drama, onde o que mais interessa é como se dá a aproximação entre os dois protagonistas que a descoberta de um criminoso. Com um foco assim (e com a própria natureza do papel), Jane Fonda ganha ainda mais projeção que Donald Sutherland, que também está muito bem no filme. Talvez não se façam mais putas como antigamente. Pelo menos no cinema.

KLUTE – O PASSADO CONDENA
Klute, EUA, 1971.

Direção e Produção: Alan J. Pakula.

Roteiro: Andy Lewis e Dave Lewis.

Elenco: Donald Sutherland, Jane Fonda.

Fotografia: Gordon Willis. Montagem: Carl Lerner. Direção de Arte: George Jenkins. Música: Michael Small. Figurinos: Ann Roth.

MONSTER
Monster, EUA/Alemanha, 2003.

Direção e Roteiro: Patty Jenkis.

Elenco: Charlize Theron, Christina Ricci, Bruce Dern, Lee Tergesen, Annie Corley, Pruitt Taylor Vince, Marco St. John, Marc Macaulay, Scott Wilson, Rus Blackwell.

Fotografia: Steven Bernstein. Montagem: Arthur Coburn e Jane Kurson. Direção de Arte: Edward T. McAvoy. Música: BT. Figurinos: Rhona Meyers. Produção: Mark Damon, Donald Kushner, Brad Wyman, Clark Peterson e Charlize Theron. Site Oficial: www.monsterfilm.com.

nas picapes: Stephanie Says, Velvet Underground.

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