Clint Eastwood

Eu nunca fiz parte dessa nova onda de fãs do Clint Eastwood, que, nos últimos anos, elegem todos seus últimos trabalhos como obras-primas. Na verdade, esse movimento me irrita um pouco porque, apesar de ter dirigido alguns filmes belíssimos, como As Pontes de Madison e Sobre Meninos e Lobos, Clint também fez longas medianos, como A Conquista da Honra e o recente A Troca. Eu, então, tentava sempre ter uma opinião moderada sobre os filmes do diretor. Evitava cair na arapuca do fanboy. Mas a verdade é que Gran Torino me deixou sem chão. Logo este filme.

A última frase se deve por causa de um preconceito meu com a sinopse do filme, que, correndo o risco de ser leviano, seria: velho durão com tendências militaristas e xenófobas começa a se aproximar de seus vizinhos adolescentes de origem asiática. Um plot como estes me fez desenhar na cabeça um daqueles filmes basiquinhos sobre a redenção de um homem e a transformação de suas convicções. O velho conflito entre o que se acredita e o que se aprende. Ou, seja, uma porção generosa de clichês. Depois de ver o filme, eu descobri que essa imagem que eu tinha do longa não estava tão diferente da realidade. Ali havia um material farto para se reclamar. Mas não foi bem assim.

Gran Torino é um filme bastante corajoso. Walt Kowalski representa a Velha América, mas não em tom saudosista ou celebratório. Pelo contrário. O personagem de Clint é o de um homem que não tem o menor pudor de ser racista, que se alimenta do próprio rancor, um cara agressivo que vive do (e no) passado. É a Velha América, mas a Velha América falida, de orgulho ferido e refém do resto do mundo e do próprio passar do tempo, que a fez desmoronar. E isso para um artista do patamar do velho Clint é bem ousado. Testemunhar um republicano convicto se auto-questionar é um momento ímpar.

Nesse sentido, por mais que o roteiro de Nick Schenk, em seu primeiro longa, trabalhe com situações clichê, elas são apenas pontos de partida para as discussões levantadas (discussões que, por sinal, nunca acontecem num primeiro plano – quem tiver um alcance limitado pode perfeitamente sequer vê-las). E, a partir daí, do lugar comum, é que surge a grande força de Gran Torino. O filme se ergue da simplicidade e da sutileza. A maneira como o envolvimento de Waltz com Thaos e Ahney se desenrola não evita temas óbvios como descoberta e transformação, embora desmonte cada chavão com delicadeza e com um subtexto que nunca exige ser desvendado (mas que delicia ao ser descoberto).

O ato final do filme é um dos mais belos golpes de roteiro dos últimos tempos, que deveriam fazer Paul Haggis e Guillermo Arriaga, dois especialistas em golpes finais de roteiro, se envorgonharem até sumir. É ele que arredonda esse pequeno grande filme, que termina ao som de uma das mais belas melodias do ano, a canção que dá título ao longa. O autor dessa música? Clint Eastwood.

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[Gran Torino, Clint Eastwood, 2008]

Comentários

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17 comentários sobre “Gran Torino”

  1. Sempre leio seu blog, também escrevo sobre filmes em uma pequena revista aqui da minha cidade.

    Realmente Gran Torino me assustuo, esperava tudo, menos um filme assim, que se mostrou tão despreocupado, mas que enche sua cabeça de perguntas…

    Clint é a Velha América real, incondicional, sem por nem tirar…o final…é a Velha América também…para mim…uma bela metafora..uma das melhores do cinema atual..

    Abraços e parabéns pelo blog.

  2. Seu texto só aumentou minha vontade de ver Gran Torino. Quando está previsto para estrear?
    Quanto ao Clint, eu meio que me incluo nesse rol de novos fãs, porque amo filmes como Menina de Ouro, Sobre Meninos e Lobos e Cartas de Iwo Jima. No entanto, concordo contigo que A Troca e A Conquista da Honra são trabalhos menores dele, e ainda acho Os Imperdoáveis sua obra maior.

  3. Não existe uma razão, Rafael. O Oscar se baseia muito nos prêmios anteriores e “Gran Torino” apareceu muito pouco neles. Isso talvez tenha influenciado.

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