Atenção! Este texto contém MUITOS SPOILERS para quem não viu o episódio final de Lost.

Todos nós, amantes da narrativa clássica com começo, meio e fim, adoramos explicações lógicas para tudo. Mas como fazer uma série de ficção-científica com implicações místico-religiosas parecer simples? Quando Lost surgiu em 2004 todo mundo ficou excitado simplesmente porque aquilo era completamente diferente das investigações criminais, ataques alienígenas e mulheres consumistas que dominavam nossa televisão. A série conquistou sua legião de fãs apenas por sua originalidade. Agora, a relação é diferente: todo mundo quer tudo explicadinho.

Pois bem, Lost explicou. E o finale, exibido ontem nos EUA e disseminado pela internet para o resto do planeta, é bastante coerente com todo o projeto. Ao longo de seis anos, a série sempre foi uma experiência com o fantástico. Na maioria das vezes, esbarrava em elementos kitsch, de gosto duvidoso e principalmente arriscados por chegar perto de colocar em cheque a credibilidade de tudo aquilo. Mas mesmo assim, os criadores nunca deixaram de curar doenças e deficiências, introduzir deuses e monstros… de fumaça. E principalmente fantasmas. Se teve uma coisa que nunca faltou em Lost foi um fantasminha.

Então, é estranho que uma possibilidade que sempre esteve nas mesas redondas sobre a série tenha sido mal recebida. Na minha opinião, qualquer que fosse o final de Lost seria mal recebido diante da gigantesca expectativa criada em torno dos mistérios da série. Mas, justamente a opção mais coerente? E, olha, uma opção nada fechada. Vamos pensar: todos estão mortos, sim, mas desde quando? Na conversa com o filho, Christian Shepard dá três pistas importantes: 1) tudo realmente aconteceu; 2) alguns dos amigos de Jack podem ter morrido muito depois dele; 3) aquela realidade foi construída por eles.

Para muita gente, a interpretação parece ter sido de que a ilha seria o Purgatório e que todos os passageiros do vôo Oceanic 815 estavam mortos desde o começo, mas não acho que seja tão simples assim. Os flashbacks que fazem os personagens lembrar dos eventos ocorridos na ilha mostram que eles lembram de coisas que só aconteceram neste último capítulo, o que indica que o que nós chamávamos de realidade paralela acontece, na verdade, depois de tudo o que se passou na ilha. E tudo o que se passou na ilha, como explicou o dr. Shepard pai, realmente aconteceu. Foi lá que Hurley conheceu Libby, que nasceu Aaron, que Locke voltou a andar, que Jack se interessou por Kate que se interessou por Sawyer que se interessou por Juliet que se interessou por Jack.

 

Esses laços são sedimentados, ou melhor, reverenciados no último episódio. E eu não falo apenas do amor óbvio entre o Superman Jack e a Mulher-Maravilha Kate, mas do respeito mútuo entre o Super e o Batman Sawyer, do belíssimo reencontro entre Charlie e Claire ou do coração gigante de Hurley, que escolhe Ben para ser seu braço direito. Praticamente todos os personagens da série foram de um extremo a outro ao longo destes seis anos. E essas mudanças de perfil (Jack de herói a drogado, Sawyer de vilão a líder, Ben de encarnação do demônio a encarnação do demônio generosa) vieram da convivência na ilha.

Os laços formados entre os personagens numa condição adversa determinou aquela realidade paralela. É bem brega, eu sei, mas extremamente coerente. À medida que foram morrendo, cada um foi sendo “guardado” ali, naquele espaço onde todos os eventos importantes que aconteceram na ilha foram “rearranjados”. Mas Lost, apesar de todos seus elementos metafísicos, na minha opinião, é muito mais sobre a organização do cubo mágico do que sobre o cubo em si. Os paralelismos, as viagens temporais, os deslocamentos no espaço e os fantasminhas camaradas me parecem uma tentativa do próprio universo de se rearrumar e se deixar lógico.

Jacob e seu irmão existiam. A ilha existia. Mas eram os personagens que faziam a engrenagem funcionar. Lost é muito sobre o mecanismo que move as possibilidades. E, como tal, nunca pode ser fechado. Tudo é mutável, tudo pode ter múltiplas interpretações. Apesar de vários tropeços e momentos de enchimento de linguiça ao longo destes anos todos, o projeto de Lost sempre me pareceu forte e corajoso pela complexidade dos temas que aborda. Se a série é sobre como tudo é possível e sobre como tudo se rearranja, um episódio final que nos deixa cheios de dúvidas encerra o projeto de uma maneira bem eficiente.

Só sei de uma coisa. E isso só cabe a mim, ninguém precisa concordar. Lost foi a série que mais me deixou apaixonado e irritado em toda a minha vida. É minha série favorita mesmo com tantos senões. Mas, como tudo pode mudar, talvez quando eu acordar eu ache que isso é tudo bobagem e reescreva este texto, talvez eu fuja de um urso polar, talvez eu volte pros anos 70 ou talvez eu pule numa caverna com um luz dourada assim meio Power Rangers só pra ver onde vai dar. No mundo de Lost, dá pra fazer tudo isso e mudar tudo depois.

Comentários

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17 comentários sobre “Lost: a série a minha vida”

  1. Chico.
    Eu encarei o final como o final da série, final da filmagem, isto é, não é o final da história, pois a história nunca termina, a história é um conjunto eterno de histórias que acontecem paralela, simultânea e/ou sucessivamente. O aprendizado, os sentimentos, as percepções, as vivências, as sobrevivências, as pessoas que conheceram, tudo isso fez com que cada um dos ilhados tivesse ali os mais intensos momentos de suas vidas. Acho que uma das coisas mais emocionantes (além do próprio final) é ver Jack (até então Man of Science) chorar e ver que Locke (o Man of Faith com uma fé quase perdida) tinha razão em relação à magnificência da ilha, ao quanto ela era especial. Jack enxergou que na ansiedade por um tradicional preciso-voltar-para-casa, ele e os outros retornaram para um lugar que há muito tempo deixara de ser suas casas e que agora o que pode se chamar de lar é a própria Ilha (o lugar do qual deveriam supostamente fugir para retornar ao lugar que supostamente era a casa de cada um). Em coração, pensamento e alma estavam cada um dos Oceanic 6 – exceto Aaron – na Ilha. E para lá retornam e lá Jack tem o seu “final”, não um final de tudo, mas um final momentâneo, pois a jornada nunca termina. Talvez Lost também seja sobre isso. O que é importante de fato perante à infinitude da vida? O que realmente importa? Para Jack, a Ilha passou a ser sua casa e Kate, sem dúvida, era seu verdadeiro amor. Mas na vida tudo é mutável e a beleza de Lost, concordo, talvez seja pelo “it’s about the journey”.

  2. Chico, grande grande grande texto, concordo com tudo o que você disse, e me fez pensar em mais algumas coisas que me fazem gostar do final – e da série – ainda mais.

    Tem uma série de erros, caminhos errados, burrices e episódios ruins? Sem dúvida. Mas o saldo é beeeem positivo, e muitos desses erros são até legais (Nikki & Paulo, por exemplo, cuja morte rendeu um dos episódios mais divertidos da série).
    E acho que isso tem a ver com essa tua leitura (de que eu gosto muito) da importância do mecanismo, e dessa sensação de “tudo pode” que Lost tem.

    Porque acho que a série, no final das contas, é sobre narrativas, sobre como contar histórias. E sobre a importância de contar histórias. E, nisso, a série abraça tudo quanto é gênero – esse finale é um grande exemplo. E, por mais que às vezes seja uma metalinguagem paródica bem calculada (como o ótimo Exposé, que eu já mencionei), acho que na maioria das vezes é um risco mesmo, um abraçar sincero de qualquer possibildiade que pareça interessante ou divertida, e isso é que é tão legal.

    Esse finale sem dúvida tem um caminhão de coisas bregas, toscas, até mal-feitas em certo sentido (pedras de isopor à la Chapolin). Mas é divertidíssimo em muitas horas, e muito, muito sincero – eu, pelo menos, sinto isso. Jack e Locke correndo um contra o outro no penhasco; o Jack salta com um soco no ar – impagável. E empolgante demais. Lapidus, Miles – hilariantes. Fonte de luz “power rangers” (hahaha) – questionável, mas acho até que funciona.

    E, principalmente, final-novela-da-globo-redenção-piegas-e-brega: perfeito. Porque, claro, tem o twist que tão todos mortos. E, tá, o Jack morre com aquele sorriso no rosto, um sacrifício meio questionável, clima de “sou espiritual independente de religiões”; tem essa sensação de baile exagerado, trilha sonora over (“chora, chora”, e é pra chorar mesmo). Mas, ainda assim, é pungente.

    Porque, não sei, não importa se os tais flash-sideways são “reais”, no sentido mais estrito do termo, de tentar separar um mundo real e outro fantástico. Claro, há essa sugestão, mas acho que a idéia é uma coisa meio lynchiana de que tá tudo meio junto, não dá pra separar, um se embebe do outro, e não dá pra definir o que é outro e o que é um… as histórias foram contadas e estão aí, e NESSE SENTIDO são sim reais.

    E, aí, a cena final ganha um sentido de capitulação, de resgatar tudo o que passou e falar “isso é o mais importante”. Todo mundo passou seis anos se preocupando com um genial desfecho que responderia todos os mistérios, sem notar que esses seis anos é que importavam, não esses dez minutos finais – que não fizeram senão ressaltar isso. Não é uma cena que tenha uma conclusão per se, não é ali o ponto da redenção, não é ali que uma “lição foi aprendida”: se os personagens tiveram uma redenção, se houve alguma lição a ser tirada disso tudo, isso já aconteceu em um (senão vários) momento(s) desses cento-e-tantos episódios.

    E a conclusão é de que não há conclusão, só processo, “it’s about the journey” – filosofia de bar, frase de pára-choque de caminhão, cheesy all the way through? – pode até ser, mas também me parece um jeito muito bonito de encarar as coisas.

  3. Chico, podem me xingar, mas para mim o final foi fantástico. Me perdoa admitir isso, mas entrei numa crise de choro. Tudo bem, quem disse que marmanjo não pode chorar? É como você diz, LOST é minha série favorita porque me levou aos extremos, a amá-la e a odiá-la. O problema é que as vezes queremos tudo explicado, tudo cientificamente comprovado. Deixamos de lado os segredos do universo, as infinitudes do tempo e o que nos reserva o mistério da vida e da morte. Acho que vou parar por aqui, senão irei filosofar demais. LOST, foi INCRÍVEL. Creio, que tudo que aconteceu na ilha aconteceu de verdade. Uns morreram antes, outros depois. O principal é que a convivência na ilha marcou a vida de cada um deles porque foi lá que eles viveram os sentimentos mais profundos, onde a vida de cada um deles, de fato, teve a importância que não teve em outros momentos. Enfim, LOST acabou, final maravilhoso. Nos resta agora aproveitar FLASHFORWARD. Afinal, tudo na vida tem início, meio e fim. Espero que não tenha exagerado. Um abraço Chico.

  4. Já assisti aos últimos 20 minutos 3 vezes. E melhora a cada vez. De início fiquei nocauteado pela solução encontrada, achei que os produtores gargalhavam de nossa cara. Mas aí a ficha começou a cair. E nada mais surpreendente para uma série que nos trazia tantas surpresas quanto o óbvio ali rasgado ao final.

    Acho que a história foi toda criada e justificada em cima do erro do Jacob (de ter jogado o irmão na fonte). No momento em que o erro foi reparado, temos o final da história. Daí que as demais questões findam menores ao ponto de muitas serem ignoradas. E a grande sacada é mesmo deixar muitas delas em aberto. Pano para manga para várias gerações.

    Ou para histórias a serem futuramente trabalhadas no cinema. O possível sucesso de Sex In The City 2 deve impulsionar esta idéia, da qual sou a favor.

  5. Já assistir aos últimos 20 minutos 3 vezes. E melhora a cada vez. De início fiquei nocauteado pela solução encontrada, achei que os produtores gargalhavam de nossa cara. Mas aí a ficha começou a cair. E nada mais surpreendente para uma série que nos trazia tantas surpresas quanto o óbvio ali rasgado ao final.

    Acho que a história foi toda criada e justificada em cima do erro do Jacob (de ter jogado o irmão na fonte). No momento em que o erro foi reparado, temos o final da história. Daí que as demais questões findam menores ao ponto de muitas serem ignoradas. E a grande sacada é mesmo deixar muitas delas em aberto. Pano para manga para várias gerações.

    Ou para histórias a serem futuramente trabalhadas no cinema. O possivel sucesso de Sex In The City 2 deve impulsionar esta idéia, da qual sou a favor.

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