Mama

Se existem grandes contradições em Mama, longa de estreia do argentino Andrés Muschietti, a primeira delas está no fato de que o filme mora num conflito externo à história, uma disputa entre velho e novo. Desde a primeira cena, está claro que o longa, como quase tudo que tem o dedo de Guillermo del Toro, produtor aqui, é uma releitura/homenagem a longas de terror dos anos 70: uma história de fantasmas, com crianças no centro da trama, que namora sem o mínimo pudor com um cinema de baixo orçamento interessado em provocar sustos, reproduzindo inclusive algumas ingenuidades e fragilidades de roteiro dos filmes daquela época.

No entanto, Mama, uma versão anabolizada de um curta de apenas 3 minutos, surge numa época em que o cinema, refletindo a sociedade atual, vive a necessidade de exibir. Mostrar, revelar, apresentar, além do propósito funcional de resolver a trama de um filme, atende às expectativas de um público acostumado com a vida exposta em redes sociais ou em reality shows, com todas as informações a seu alcance depois de alguns segundos em frente ao computador. O espectador de hoje, ao invés do de quatro décadas atrás, não se fascina pela insinuação, não é seduzido mais pela sugestão. Ele precisa ver, não apenas para crer, para satisfazer sua carência visual.

Ao contrário dos filmes de terror que o inspiraram, que até por suas limitações escondiam seus vilões, o longa de Muschietti faz questão de expor sua personagem-título, entregando closes e detalhes de sua anatomia – e de suas transformações físicas – numa mistura de exibicionismo de efeitos visuais com a preocupação de não frustrar o público. O resultado tem algo de conflituoso porque faz o filme perder parte de um elemento essencial ao modelo que ele reproduz: o fascínio pelo desconhecido. Mas Mama, como poucos longas de terror feitos hoje em dia, é um filme de qualidade, com um roteiro sólido – mesmo com buracos e maneirismos aqui e ali – e que cumpre o papel de mexer com o espectador.

A escolha de Jessica Chastain como protagonista já coloca o filme em outro plano. Ela é uma das atrizes americanas mais importantes e respeitadas da cena atual e acerta na composição de uma personagem aparentemente caricata, mas que traduz a principal questão do filme: os limites da maternidade. Muschietti coloca duas mulheres para lutar num ringue de fotografia opaca e cenários pouco iluminados por filhas que não são suas, mas que ambas resolvem adotar. De certa maneira, heroína e vilã assumem a mesma postura de maneiras diferentes, o que gera a segunda grande contradição do filme, uma que desta vez opera a favor do conjunto.

A dicotomia proposta por Muschetti ganha corpo ao longo de Mama e resulta num final poderoso, que cumpre alguns rituais dos filmes clássicos, à medida que conversa com um espectador atual. A cena é tão forte que faz esquecer alguns momentos preguiçosos do roteiro, com soluções mal explicadas para conseguir mover a trama. Mas mesmo estes pequenos pecados dão ao filme um peso diferenciado e reforçam o caráter nostálgico que o diretor propõe. Condição que, por sinal, ganha na macabra trilha sonora de Fernando Velázquez, que coloca crianças e fantasmas cantando juntos, lado a lado, como o universo criado pelo diretor bem pede.

Mama EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Mama, Andrés Muschietti, 2013]

Pra quem se interessar, aqui está Mamá, o curta que inspirou o longa de Andrés Muschietti:

Comentários

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7 comentários sobre “Mama”

  1. Mais um ótimo texto, Chico! E embora concorde com diversos dos argumentos, como a boa utilização de referências ao próprio gênero e ter um desenvolvimento de texto bastante superior a outros longas de terror recentes que pouco mais buscam além de dar alguns sustos, penso que o que falta a Mama e o faz falhar na proposta de ser um filme de terror é justamente sua falha para gerar sustos no espectador. Creio que seja subjetivo, mas comigo, o longa não conseguiu desenvolver uma maior tensão e medo que, acredito, faziam parte de sua intenção. Abraço e até a próxima.

    1. Entendo o que você diz, Leonardo, mas acho que o filme tem outras qualidades – além de dar sustos (e eu tomei alguns) – que o validam.

  2. Chico, considero este conflito o grande problema de Mama. A falta da sugestão faz com que o filme perca justamente o que existe de mais importante para o gênero: a capacidade de meter medo.

    1. Pois é, eu senti medo, tive uns bons sustos. Eu também me incomodei com o excesso de exposição, mas acho que o filme consegue justificar isso.

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