Manila nas Garras da Luz

Os olhos de Julio dizem muito sobre ele. Seu olhar triste, mas cheio de esperança tem um compromisso certo, dia após dia. O rapaz passa horas encarando fixamente aquela janela na Rua da Misericordia. Julio chegou na capital há alguns meses. Saiu sem avisar da vila de pescadores onde nasceu. Tudo por causa de Ligaya Paraiso. O namoro com a moça mais linda da região era proibido. A mãe dela não gostava muito da ideia de Ligaya se envolver com alguém tão pobre quanto ela. Por isso, ficou até feliz quando uma senhora chegou à vila para recrutar jovens para trabalhar em Manila. Seria uma chance de ganhar dinheiro, ajudar a família e se arrumar na vida. Ligaya ainda olhou pra trás quando entrou naquela jangada. Para depois sumir para sempre. Julio decidiu ir atrás de seu grande amor.

Existem dois protagonistas em Manila nas Garras da Luz, esse monumento do cinema mundial dirigido há 40 anos por Lino Brocka e restaurado através da The Film Foundation, de Martin Scorsese: um é Julio, o homem; o outro é Manila, a cidade. Desde o primeiro momento, Brocka deixa claro que este é um daqueles contos do homem contra a cidade, do amor contra o mundo. Nos 125 minutos seguintes, Julio e Manila vão duelar até um sufocar o outro. Nessas pouco mais de duas horas, Brocka faz um inventário das tragédias da metrópole: com Julio, o cineasta discute o subemprego, a violência, a habitação irregular, o mercado do sexo masculino, o mercado do sexo feminino, entre dezenas de outras questões. Mesmo com pouco tempo para tantas questões, consegue debater cada assunto com alguma ou muita profundidade.

Em vários aspectos, principalmente nos temas, nos cortes e na maneira de utilizar a trilha sonora, o filme lembra muito um certo cinema social feito no Brasil mais ou menos na mesma época, em que a relação entre homem e metrópole parecia ser colocada em cheque. O impressionante é que a abordagem de Lino Brocka nunca cai num discurso meramente panfletário porque ele consegue amarrar todas suas discussões à jornada de Julio em busca de Ligaya. E a aridez da vida dura na capital das Filipinas ganha um inesperado contorno melancólico, que torna qualquer debate demasiadamente humano. Tanto quanto a bela interpretação do jovem Bembol Roco, à epoca Rafael Roco Jr., um estreante tão virgem em frente às câmeras quanto seu personagem frente a Manila.

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[Maynila: Sa mga kuko ng liwanag, Lino Brocka, 1975]

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