Dheepan

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[Dheepan, Jacques Audiard, 2015]

O mais interessante em Dheepan é a proposta de formar uma família com pessoas que não se conhecem. Homem, mulher e filha que nunca haviam se visto, mas que são forçados a fingir que são parentes para escapar de um Sri Lanka em guerra. O filme de Jacques Audiard realmente começa na França, para onde os três são levados depois da fuga e onde precisam manter a farsa para que suas identidades novas lhes ofereçam uma chance de reconstruir as vidas. Enquanto aponta a câmera para as dificuldades de adaptação do trio no novo país e um com o outro, o diretor cria um painel bem vivo de como a luta pela sobrevivência pode transformar as pessoas, mas quando amplia seu foco para fazer um “cinema social”, as coisas mudam. Dheepan pertence a um “gênero” de filmes que o cinema francês estabeleceu há algumas décadas e que produz aos montes: o filme de imigrantes. A ideia de comover o espectador com os percalços do três protagonistas diante de um país hostil a eles é antiga, mesmo que o tom utilizado seja mais realista do que melodramático. A França onde a família montada foi parar é uma França de gângsters, de pobreza e de violência. Audiard não faz muito esforço para encontrar uma personalidade para o filme, que se confunde com outros tantos, a não ser pela questionável sequência final, inspirada pelos “heróis da vida real” do cinema americano ou não, mas tão esquisita ao corpo do filme que pode até ser lida como um devaneio necessário para sobreviver. Quando mira no micro, Audiard é feliz. Quando passa para o macro, o cinema de gênero vira cinema genérico.

Aconteceu Naquela Noite

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[It Happened One Night, Frank Capra, 1934]

Em toda sua história, o cinema nos presenteou com casais inesquecíveis, mas poucos tiveram a mesma química que a de Clark Gable e Claudette Colbert em Aconteceu Naquela Noite. Frank Capra coloca os atores num duelo de egos que dura a maior parte do filme e permite cenas de incrível sarcasmo, como aquela em que os dois dormem sob o mesmo teto, separados por um lençol, “a Muralha de Jericó”, e outras de profunda doçura, como o momento sobre o feno. Gable não faz um herói romântico clássico, afinal ele é um jornalista e quer a história sobre a filha do milionário que fugiu para encontrar o amante, e a “mocinha rica e mimada” de Colbert desaba depois de algumas cenas, suficientes para que o conflito se estabeleça. Capra ambienta sua história de amor agridoce num país ainda falido depois da Queda da Bolsa, com golpes, trapaças e praticamente todos os coadjuvantes lembrando do caos financeiro em cenas que parecem menores, mas que ajudam a dar um tom mais realista ao filme. Há muitas cenas antológicas, como a que Gable aparece de peito nu, que, reza a lenda, teria levado a indústria de camisas de baixo à falência, ou a mais clássica, em que Colbert mostra a perna para conseguir uma carona. A sequência final é especialíssima porque nos últimos 10 ou 15 minutos do filme, os protagonistas não parecem juntos, mas nós sabemos exatamente o que aconteceu com os dois.

Nômade Celestial

Nômade Celestial EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Sutak, Mirlan Abdykalykov, 2015]

Nômade Celestial é um filme sobre heranças e tradições. O diretor Mirlan Abdykalykov, em seu primeiro trabalho, parece perguntar até onde existe a responsabilidade de carregar o peso do passado e dar continuidade ao trabalho dos ancestrais. Shaiyr vive num vale encrustrado entre as montanhas do Quirguistão, um lugar tão isolado quanto incrivelmente bonito. Mora com os pais do marido morto há alguns anos e com a filha pequena. Seu filho mora e estuda na cidade mais próxima e visita a tenda onde vive a mãe, a irmã e os avós. A família nômade cria cavalos e o único vizinho é o “vagabundo”, segundo a sogra de Shaiyr que trabalha com previsão do tempo e que tem uma queda por ela. Sutak, título original de Nômade Celestial, é uma lenda que fala sobre uma mulher que mora com os sogros e é transformada em pássaro depois de ser vista ao lado de outro homem. O filme parece atualizar o mito, entregando a Shaiyr o papel da mulher pé no chão, aos sogros a função de alimentar as tradições e a pequena Umsunai, de 7 anos, a missão de flutuar sobre esses universos tão distantes. Abdykalykov costura com delicadeza e muita segurança na direção esta história tão parecida com tantas outras. Quando ele era uma criança, foi o protagonista de O Filho Adotivo, dirigido pelo pai dele e exibido, na edição de 1998 da Mostra de Cinema de São Paulo.

Lo Que se Lleva el Río

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[Dauna. Lo que lleva el Río, Mario Crespo, 2015]

Mario Crespo acerta algumas boas vezes em Lo Que Se Lleva el Río: cria um conto feminista sobre uma mulher que enfrenta as tradições de seu povo e da Igreja Católica para colocar sua sede de conhecimento em prática e dá voz aos warao, a tribo que vive em palafitas no delta do Rio Orinoco, o que garante um cenário exuberante e diferente. O grande problema é que Crespo é bem quadrado na maneira de contar esta história, um melodrama bem fiel aos padrões hollywoodianos de reviravoltas e idas e vindas no tempo. E os lugares comuns não param por aí: as cores esmaecidas indicam um presente mais “real” e o filme guarda uma dose de exotismo, simpática ao mercado internacional, dando vida a fábulas em forma de animações, bonitas, mas meio clichês e mal amarradas à trama. A encenação é funcional na maior parte do filme, mas a falta de experiência do elenco (e uma certa mão pesada do diretor) não ajuda(m) numa das cenas mais cruciais do filme, quando a protagonista, Dauna, briga com o marido. Curioso, mas limitado.

O Cidadão

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[Obywatel, Jerzy Stuhr, 2014]

Jerzy Stuhr é um dos atores mais conhecidos da Polônia. Trabalhou com Kieslowski e Nanni Moretti e também se aventurou como cineasta um punhado de vezes. Em O Cidadão, assume as funções de protagonista, roteirista, produtor, além de dirigir o filme, uma espécie de “tragédia de um homem ridículo” que atravessa algumas décadas de história de seu país. Stuhr tenta dar a sua personagem ares de “Forrest Gump”, substituindo as coincidências pelo azar para colocá-los em momentos importantes da política polonesa, mas não consegue encontrar muito bem o tom para casar sua crônica com uma comédia de humor negro que não acerta muito bem no alvo. Para tentar dar agilidade ao filme, adota uma cronologia do acaso para voltar aos momentos cruciais da vida do protagonista, que coloca em mais situações absurdas do que uma história comum poderia conter. Exagera no tom, acerta na boa intenção. Sua reflexão fica pela metade.

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