Sabor da Vida

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[An, Naomi Kawase, 2015]

Sob praticamente todos os prismas, Sabor da Vida é um filme mais convencional do que o anterior de Naomi Kawase, O Segredo das Águas, em que a cineasta japonesa retomava um cinema narrativo ficcional que havia abandonado em troca de documentários e filmes mais experimentais. Mas se o último longa da diretora ainda tinha sido construído em terreno árido, este novo projeto parece ter como alvo um público bem maior. Kawase costura aqui três subgêneros que costumam apostar na capacidade de emocionar o espectador: o filme de velhinhos, o filme de comida e o filme de doença. Partindo do livro de Durian Sukegawa, ela conta a história de Tokue, uma senhora de 76 anos que pede emprego numa pequena loja de dorayakis, um popular doce japonês à base de pasta de feijão, comandada por um homem que tenta superar seu passado e frequentada por uma adolescente com problemas com a mãe. A partir daí, Kawase desenha uma trama em que a comida serve como elo para unir as três personagens, que, escondem, cada uma, um segredo e um mal estar em relação ao mundo. Como tem uma tendência ao realismo em seus filmes, a diretora tem uma relação diferente com os momentos mais melodramáticos do texto. Nunca pesa a mão na condução emocional das cenas essencialmente emocionais, o que ao mesmo tempo em que causa um estranhamento, revela uma tentativa de dar sua identidade ao material. Kirin Kiki, que interpreta Tokue e já havia sido vista em filmes Hirokazu Koreeda, entrega uma personagem bastante palpável, que seduz o espectador pela simplicidade de sua interpretação. Como no filme mais recente de Kiyoshi Kurosawa, Sabor da Vida mostra como a relação da cultura japonesa com a morte é muito mais complexa do que no Ocidente. Aqui, mais uma vez, Naomi Kawase, que ainda não voltou a seus momentos mais brilhantes, investiga o poder transformador da morte para quem fica por estas bandas.

Chronic

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[Chronic, Michel Franco, 2015]

Este texto sobre Chronic estava sendo “escrito mentalmente” durante a última sequência do filme de Michel Franco e o tom seria de que, perto do maniqueísmo maldoso de Depois de Lucia, longa anterior do diretor mexicano, este novo filme era até decente, mas parece que o cineasta achou que não tinha sido “visceral” o suficiente e comete um golpe final que não tem outra função senão catalisar catástrofes. O cinema atual está cheio de filmes assim, sem qualquer respeito com suas personagens, que parecem duvidar da capacidade de discernimento do espectador ao apostar em imagens e situações “fortes”, como se houvesse coragem em distribuir desgraças. E Michel Franco parece querer um posto de comando neste movimento. Ele filma com segurança, sabe bem administrar espaços, concebe quadros com bastante rigor, mas essa sua investigação do caos parece gratuita, perversa e oportunista. Franco estreou nos Estados Unidos, com um filme falado em inglês, estrelado por Tim Roth, que interpreta um enfermeiro de pacientes terminais. Sua relação com a morte vai se desenhando aos poucos e revela alguma coerência, embora o diretor acredite que forçar o espectador a ver imagens desagradáveis seja uma forma de revolução. Como um masoquista, Franco força o dedo na ferida e nos convida a ser cúmplices de suas obsessões. Aceita quem quiser.

Body

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[Cialo, Malgorzata Szumowska, 2015]

A morte parece ser um elemento comum e importante para vários filmes da Mostra. Body, da polonesa Malgorzata Szumowska, tem uma das abordagens mais interessantes porque dialoga com o sobrenatural sem nunca realmente transformá-lo num objetivo ou numa escada para chegar ao espectador. Os três protagonistas lidam das maneiras mais diferentes com o luto. De um lado temos o investigador criminal Janusz, que para lidar com a perda da mulher, transforma os corpos mortos que encontra todos os dias em meros objetos de trabalho, enquanto sua filha, Olga, estraga o próprio corpo como uma espécie de rebelião contra o mundo. Do outro lado, a psicoterapeuta Anna, que, oito anos depois, ainda busca na espiritualidade uma maneira de compensar a morte do filho. Szumowska amarra estas três histórias com imagens delicadas que ora sugerem uma abraço no sobrenatural, ora buscam desmentir essa relação. O elenco é todo muito bom, mas o destaque vai para a excelente performance de Maja Ostaszewska, atriz polonesa que iniciou sua carreira no cinema com um pequeno papel de A Lista de Schindler, cuja personagem é admiradora do médium brasileiro Divaldo Franco. É bem curioso como a diretora encerra o abismo que existe entre pai e filha, de uma maneira simples, como se mostrasse que não existe artifício mais eficiente para aproximar duas pessoas do que o bem e velho olho no olho.

O Muro

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[Mur, Dariusz Glazer, 2015]

Quando não está realizando alguma atividade ilegal, Turek ganha a vida destruindo para construir. Sozinho, ele realiza reformas completas em apartamentos de Varsóvia. Mas a lógica do ganha-pão de Turek não serve para a vida pessoal do rapaz, que tem uma relação fria e distante com a mãe. O Muro é a estreia de Dariusz Glazer como diretor de longa-metragens, depois de realizar um curta e escrever um longa para outro cineasta. A pouca experiência não impediu o polonês de dirigir um filme simples e forte sobre um tema bastante visitado pelo cinema, o abismo entre pais e filhos, também abordado por outro filme da Polônia na Mostra, Body. A brutalidade da personagem, bem defendida pelo ator Tomasz Schuchardt, o coloca em conflito diário com a mãe, que não facilita o convívio. Glazer, que também assina o roteiro, passeia por alguns lugares comuns, mas, sem colocar panos quentes, encontra boas soluções para levar a relação para outros caminhos sem deixar de manter as características do protagonista.

Intermezzo

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[Intermezzo, Gustaf Molander, 1936]

A primeira imagem do rosto de Ingrid Bergman sob um feixe de luz em Intermezzo explica porque o poderoso David O. Selznick rescolveu contratá-la logo depois de assistir ao filme de Gustaf Molander. Bergman já era uma atriz moderna em 1936, tinha uma beleza impressionante e uma performance naturalista difícil de se encontrar à época. E olha que todo o elenco do longa é bem competente. Bergman, que tinha apenas 21 anos quando o filme foi lançado, interpreta Anita Hoffman, uma jovem e talentosa pianista que dá aulas para a filha do famoso violinista Holger Brandt, que fica impressionado ao vê-la em ação. Surge uma admiração mútua e, consequência disso, o amor. Molander já tinha mais de 15 anos de experiência como diretor e brilha na primeira metade de Intermezzo, combinando a apresentação da história e das personagens com momentos musicais esplendidamente montados e fotografados. As cenas são longas, dando tempo para a música assumir o protagonismo. O filme cai para o convencional à medida que os protagonistas se envolvem. O roteiro naturalmente passa a dar mais atenção ao drama de adultério e, em segundo plano, a música some do filme, cujo final moralista não incomodou David O. Selznick, que refilmou o longa em Hollywood para que ele fosse a estreia da atriz em língua inglesa. Bergman ainda fez mais quatro filmes na Suécia antes de atravessar o Atlântico, três dirigidos por Molander. Nenhum deles fez metade do sucesso de Intermezzo.

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