Apesar de já ter quinze anos de estrada em longas-metragens, somente há 4 anos, quando lançou Um Estranho no Lago, é que Alain Guiraudie entrou de vez no mapa dos grandes autores do cinema atual. Com seu exame clínico e cínico do movimento de homossexuais franceses numa espécie de “praia da pegação”, fazendo um estudo profundo e cruel do desejo, Guiraudie se estabeleceu como um cineasta difícil de encaixar em qualquer modalidade do prolífico cinema francês. Em certo sentido, Na Vertical amplia as questões lançadas no filme anterior (e já existentes nos trabalhados mais antigos) do cineasta, mas, ao apostar num objeto menos específico, o conjunto talvez pareça menos forte ou ousado do que o que ele já havia feito.

Na VerticalComo disse em algumas entrevistas, Guiraudie não veio para explicar. Desde as primeiras cenas deste novo filme, isto está bem claro. Do protagonista, sabemos apenas que ele é um roteirista e que vive uma crise criativa. Sua sexualidade, que parece definida depois que ele corteja um jovem rapaz, é posta em questão logo em seguida, quando ele se envolve sexualmente com uma mulher. Esse ritual, de oferecer uma verdade para depois questioná-la, acontece algumas vezes e em vários níveis ao longo do filme. Na Vertical parece existir num universo de liberdade completa em relação à narrativa, ao desenho de personagens e ao espaço físico. Como em seus outros filmes, o cenário é o campo, que para o diretor é o espaço que ainda existe para explorar.

Neste espaço místico – místico à moda de Guiraudie logicamente – o protagonista se dedica a exercer seu vazio existencial. Embora às vezes pareça buscar sentido ou um caminho, em boa parte das cenas, Leo apenas vaga pelas paisagens fotogradas com uma alternância de planos abertos e fixos e movimentos de câmera que parecem mostrar sua instabilidade emocional e suas incertezas. A fazenda que centraliza grande parte das ações do filme é cercada por lobos, que precisam ser mantidos afastados com armas, mas ao mesmo tempo exercem um estranho fascínio sobre o protagonista. Estes animais podem ter várias representações num filme com tantas complexidades, mas é provável que tenham o mesmo valor simbólico da cena final de Um Estranho no Lago: afinal, por que nos atraímos tanto pelo que nos oferece perigo?

O nu é uma característica e um objeto importante para o cineasta. Ao filmar seus personagens despidos de roupas e de vergonha, Guiraudie ressalta sua paixão pelo cru, pelo orgânico. A cena do parto, filmada de maneira quase invasiva e sem subterfúgios em Na Vertical, equivale em força visual e em choque ao sexo explícito de seu trabalho anterior. No novo longa, outra cena de sexo, envolvendo um personagem idoso, é mostrada de forma simples e direta. A mensagem do diretor parece ser de que a vida é assim e que as coisas precisam ser confrontadas. Mas este novo filme nem sempre parece enfrentar as situações muitas vezes absurdas de maneira concreta. Leo às vezes devaneia e Guiraudie o acompanha. Para ele(s), o espontâneo pode ser a escolha ideal quando não se sabe o passo a seguir.

Uma discussão sobre Na Vertical a partir do minuto 34:48 do episódio 79 do Cinema na Varanda:

Na Vertical EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Rester Vertical, Alain Guiraudie, 2016]

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