Conviver com um vizinho sem noção. Voltar para a terra natal depois de um exílio voluntário. Os temas centrais dos dois longas mais conhecidos da dupla Mariano Cohn e Gastón Duprat não são exatamente uma novidade. Na verdade, são até meio clichê se formos imaginar quantos filmes foram feitos sobre estes assuntos. Mas a dupla de argentinos mostra, a cada novo trabalho, que sabe trabalhar com os lugares comuns de seus roteiros e, sem inventar muito, conseguem ser bastante honestos ao abordar cada situação de suas histórias.

Em O Cidadão Ilustre, Cohn e Duprat levam seu protagonista para um retorno à cidade e aos personagens que ele abandonou há mais de 30 anos, mas que viraram a base de sua premiada obra literária. Daniel se livrou de seu passado fisicamente, mas todo aquele universo que ele abandonou nunca deixou de morar dentro dele. Além do impacto natural de um retorno depois de muito tempo, os diretores ainda exploram os detalhes e efeitos do choque cultural de um homem que correu o mundo, mora em um megalópoe europeia e ganhou o prêmio Nobel com o cotidiano de um vilarejo pequeno, com poucos moradores, preso a conceitos e preconceitos.

Daniel voltando a Salas é como Tieta voltando a Santana do Agreste. A dupla de diretores não tem o mesmo estilo regionalista de Jorge Amado, mas há muitos elos com a obra do escritor baiano, inclusive nas cenas do cotidiano, como quando o protagonista é abordado por Renato, um homem com possíveis problemas de cognição, que enxerga seu pai numa das obras do ilustre conterrâneo e o convida para almoçar na casa de sua mãe; ou nas homenagens simples e “de coração” prestadas ao personagem principal, absurdamente bregas, mas que levam Daniel às lágrimas. Difícil saber o que te move; mais difícil antecipar o que te comove.

Mas o maior trunfo do filme é como Cohn e Duprat mostram, sob vários aspectos, o que a presença de um filho da cidade, famoso, rico e influente, provoca na comunidade – do pedido mais singelo aos registros mais invasivos e aos varios graus de incômodo, de ambos os lados. Os diretores realmente conseguem trabalhar os lugares comuns, que não deixam de ser lugares comuns, mas que ganham consistência suficiente para se tornarem mais do críveis, comoventes. O elenco ajuda na missão. Oscar Martínez, que conhecemos de Paulina e Relatos Selvagens, começa com uma arrogância levemente caricata, mas humaniza seu personagem à medida com que ele entra em contato o passado, como se, involuntariamente, também se envolvesse com aquela viagem no tempo.


Bati um papo sobre o filme com meus amigos Michel Simões e Tiago Faria no nosso podcast semanal, Cinema na Varanda (pode começar a ouvir a partir de 29:51)

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[El Ciudadano Ilustre, Gastón Duprat & Mariano Cohn, 2016]

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