O Conto da Princesa Kaguya

Lançado em 2013 e disponível na internet mais próxima de você, o documentário O Reino dos Sonhos e da Loucura esclarece muitas coisas sobre o Estúdio Ghibli, a referência máxima na animação japonesa que há alguns anos está ameaçado de fechar as portas. Um dos temas sobre os quais o filme de Mami Sunada se debruça é a diferença entre os dois principais nomes por trás do estúdio, Hayao Miyazaki e Isao Takahata, duas lendas vivas quando o assunto é animação. Seja no Japão, seja em qualquer parte do planeta.

Miyazaki e Takahata são basicamente opostos complementares. Enquanto o primeiro, 74 anos, simpático e expansivo, ficou conhecido mundo afora por abraçar o lúdico e a fantasia em pérolas da animação como Meu Vizinho Totoro e A Viagem de Chihiro, o segundo, 79, reservado e um tanto ressentido pelo sucesso do parceiro, sempre preferiu que personagens reais em situações plausíveis estrelassem seus filmes, como nos clássicos O Túmulo dos Vagalumes e Only Yesterday.

A questão é que os maiores mitos do anime trocaram de lado em seus filmes mais recentes. Miyazaki trocou os personagens fantásticos pela biografia de Jiro Horikoshi, o homem que desenhou os aviões que o Japão usou na Segunda Guerra em Vidas ao Vento, seu filme mais pé no chão desde, basicamente, sempre. Enquanto isso, Takahata abandonou seus protagonistas cotidianos para se dedicar a fazer a versão definitiva para aquela que é considerada a mais antiga narrativa japonesa, O Conto do Cortador de Bambu ou A Princesa Kaguya.

Escrito no século X, o conto faz parte do imaginário popular japonês, ganhou inúmeras versões em livros, mangás, produções para a TV, já foi adaptado algumas vezes para o cinema (entre as versões, uma do célebre Kon Ichikawa, com Toshiro Mifune no elenco) e inspirou até o roteiro de um anime em longa-metragem da Sailor Moon. Mas a bela história do cortador de bambu que encontra uma princesa da Lua, uma mistura esquisita e impressionante de mitologia e ficção-científica, nunca tinha ganho um tratamento de obra de arte como nesta versão de Takahata.

E dá pra chamar cada cena de O Conto da Princesa Kaguya de obra de arte. Na contramão das animações digitais em 3D, todo o filme foi desenhado e colorido a lápis, a mão, no papel, ora com traços mais definidos, ora em forma de rabiscos que se movimentam lindamente ao som da trilha do gênio Joe Hisaishi. As cores esmaecidas reforçam o tom de fábula como se uma névoa de conto de fadas emoldurasse cada momento na tela. Tela, por sinal, é uma boa definição para cada cena do filme.

E Takahata, ao contrário de outros mestres da animação, não desenha. Mas aqui ele usa seu talento de maestro para traduzir a magia do conto, sobretudo na primeira parte do filme, em que Kaguya ainda mora no campo, onde há dezenas de cenas de uma delicadeza imemorial por causa de tanta singeleza. E também sabe explorar o moral da história. O filme, como o conto, faz uma leitura da sociedade japonesa no período Heian, lançando uma crítica à desonestidade e, sobretudo, à ganância das pessoas, inclusive a dos pais da protagonista.

O terceiro ato do filme, em que a protagonista cumpre seu destino, é um golpe mortal na narrativa clássica do cinema, em que o que vemos ao longo da obra prepara, explica, justifica o desfecho. A lógica do conto, que Takahata reproduz no filme, é a da liberdade. Em todos os sentidos.

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[Kaguyahime no Monogatari, Isao Takahata, 2013]

Comentários

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4 comentários sobre “O Conto da Princesa Kaguya”

  1. Esse filme é extremamente inspirador, mescla folclore, sensibilidade – que já é bem comum no Estúdio Ghibli – e visualmente ele é perfeito! Um ser humano lutando contra o seu próprio destino.

    O novo “When Marnie Was There” é tão bom quanto, eles não erram nunca!

    Chico, eu escrevo sobre o cinema alternativo há três anos, seria uma honra se você conhecesse o meu trabalho, eu te acompanho há muito tempo e te tenho como inspiração. Se chama “Cronologia do Acaso”, singelo mas feito com muito coração.

    Abraço e meus parabéns pelo trabalho brilhante, suas opiniões são realmente muito boas e maduras.

  2. Esse filme é horrível. É desnecessariamente longo e cada cena, do começo ao fim, reforça apenas um mensagem “a felicidade que os pais querem para os filhos não é a mesma que estes desejam”. Todos os personagens são irritantes porque parece que nenhum deles usa o cérebro para solucionar seus problemas. Mesmo sabendo que é uma crítica social de outra época, a narrativa é prejudicada por causa da lentidão do filme. A dublagem japonesa também não melhora a experiência porque os diálogos são repetitivos e maçantes. A trilha sonora é totalmente esquecível. Por último, a animação não é tão boa quanto dizem. Com personagens detestáveis e uma narrativa ordinária, a animação não tem chance de brilhar porque grande parte do filme representa situações medíocres. O desfecho do filme é revoltante de tão mal elaborado que é. Uma cena não parece se conectar à outra, personagens reaparecem sem nenhum sentido e com motivações tortas, a trama dos últimos vinte minutos nem parece ter relação com a do resto do filme e situações novas são apresentadas sem questionamento. Assistindo a esse filme, crianças vão dormir, adolescentes vão fazer outra coisa e adultos vão ficar entediados. As únicas pessoas que vão gostar desse filme são admiradores de animação e da cultura japonesa. Esse filme me faz querer incendiar um orfanato.

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