O Lobo Atrás da Porta Numa das entrevistas para divulgar Quando Eu Era Vivo, filme de terror assinado por Marco Dutra, da qual participou como atriz, Sandy Leah assumiu ser cinéfila e teve que responder à seguinte pergunta: “o que você acha do cinema brasileiro?”. A cantora não pensou duas vezes e afirmou: “ah, só tem comédia, né?”. Embora pareça desconhecer boa parte da farta e celebrada produção cinematográfica autoral que o país tem realizado nos últimos anos, Sandy ajudou a jogar luz sobre um mistério do cinema nacional: afinal, por que, diabos, não se faz filme de gênero no Brasil?

O filme de gênero está entre os alicerces do cinema feito em qualquer lugar do mundo, mas, no país, essa classificação parece assustar ou não interessar boa parte dos diretores na ativa. Além das comédias pasteurizadas da Globo Filmes e das cinebiografias, com uma fórmula cada vez mais repetida, quem faz filmes por aqui geralmente ignora os gêneros clássicos, como o policial, o suspense e o terror, esse defendido por um grupo restrito e fiel de admiradores. Musical e ficção-científica, então, nem pensar. Por isso, O Lobo Atrás da Porta, primeiro longa-metragem de Fernando Coimbra, é um filme a se celebrar.

Não exatamente pelo formato, pela linguagem ou pelo posicionamento social, mas pela ousadia de se assumir como um filme policial, que entra em cartaz com uma missão importante: provar que um cinema narrativo de estrutura clássica pode esconder um trabalho refinado plástica e dramaticamente. Baseado num fato real que alcançou certa projeção, mas que para melhor fruir o filme merece ficar perdido na memória, o longa conta a história do desaparecimento de uma menina, filha do casal vivido por dois dos melhores atores nacionais surgidos no cinema nos últimos anos: Milhem Cortaz (Bernardo) e Fabiula Nascimento (Sylvia).

A enigmática e delicada Rosa completa o trio principal, vivida por uma Leandra Leal que a cada novo papel parece encontrar uma maneira mais simples de construir a complexidade de suas personagens. Apresentados o fato, o cenário e os protagonistas, começamos a entender o que Coimbra quer deste filme. Quando se inicia a investigação conduzida pelo delegado interpretado por Juliano Cazarré, a câmera de Lula Carvalho revela que suas intenções vão além do fato de emoldurar as cenas para desvendar o mistério. O objetivo principal parece ser revelar quem é cada uma daquelas pessoas, construir suas personalidades, mostrar suas variáveis, estabelecer as relações entre elas.

Coimbra revela um impressionante domínio de cena. Cada objeto, cada elemento, cada frase dita pelos atores ou cada silêncio tem uma função específica, ajudando tanto a desenvolver a trama quanto a apresentar uma nova nuance sobre um dos personagens. É raro ver um filme brasileiro que se propõe a fazer um cinema narrativo clássico com tanta competência, sem se curvar à pecha da história real, ao chamado da montagem de videoclipe ou à tendência de estereotipar vilões. O ritmo tenso, mas tranquilo, garante tempo e espaço para explorar a trilha sonora que reflete o incômodo da situação, valorizar diálogos e procurando entender o que move o ser humano. A revolução de O Lobo Atrás da Porta está em desafiar os modelos sem rejeitá-los.

O Lobo Atrás da Porta EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[O Lobo Atrás da Porta, Fernando Coimbra, 2013]

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5 comentários sobre “O Lobo Atrás da Porta”

  1. Ótima resenha, todas as observações são muito adequadas às qualidades dele, mas achei mesmo a interpretação dos atores o ponto fortíssimo, com destaque para a extraordinária performance de Leandra. Não trazer o fato real, mas ‘descarná-lo’ de sua roupagem sensacionalista da época foi um lance de mestre. Todo o filme é brilhante, e sua resenha faz jus a isso. Nota 4,5 pra mim ::))

  2. Nao que esteja de acordo nem em desacordo com a Sandy! Mas num ponto ela esta certa. Eu curto muito filmes indenpendentes, pequenos projetos. Mas para voce poder apreciar essas obras é um desgaste imenso. Curitiba valoriza a arte, mas sempre que tem lançamento nacional, prefere-se dar espaço as produções Hollywoodianas. Quando lancou Vazio Coração, apenas um cinema exibiu o filme, e em horarios complicados de se assisitir. Agora comedias caricatas, dominam as salas de cinema. Como se a unica coisa que brasileiro consegue entender é piada! No lancamento de Faroeste Caboclo e Somos tão Jovens, dominou as salas de projecao porque tratava dum icone do cenario musical brasileiro. Já Cine holiudi, filme que impressionou a critica nacional, nem entrou em cartaz por essas bandas.
    Priva-se muito o brasileiro da propria cultura. Ai ficam sempre naquelas, o cinema brasileiro é uma porcaria! Nao por falta de opção, mas por falta de acesso!

    1. Levi, a comédia é um único gênero de cinema produzido em quantidade no Brasil. “Tropa de Elite” e “2 Coelhos”, além de vários outros, são exemplares isolados de tentativas de visitar outros gêneros. Mesmo que citemos 20 filmes parecidos dos últimos anos, não existe uma produção em série de algo que não seja comédia.

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