Numa festa onde o que se achava que seria, foi, o uruguaio Jorge Drexler apareceu como maestro. Impedido de cantar a canção que ele mesmo compôs para Diários de Motocicleta, Drexler, quando teve o nome surpreendentemente anunciado na condição de vencedor, foi ao palco, cantou um trecho de sua bela música e se retirou com um educado tchau de protesto. Antes disso, o compositor teve o infortúnio de assistir Antonio Banderas e Carlos Santana deturpando e distorcendo “Al Outro Lado del Rio”, numa escolha lamentável feita pela Academia de Artes de Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos.

Martin Scorsese, meu favorito da noite, voltou mais uma vez para a casa sem seu prêmio. O Oscar que já havia ido para Roman Polanski (numa eleição de reparação política), Robert Redford (numa injustiça monumental) e para John G. Avildsen (num ano em que o mestre nem conseguiu ser indicado), desta vez foi parar nas mãos de Clint Eastwood. Menos mal. Clint merece louros por ter transformado um dramalhão num filme bem dirigido. Muito bem dirigido. No entanto, O Aviador, visto com olhos preconceituosos por muita e muita gente, tinha um trabalho talvez mais excepcional. Trabalho que merecia todos os créditos.

Menina de Ouro não apenas ganhou os prêmios de filme e direção, como fez com que Hillary Swank, realmente num momento luminoso, conseguisse o êxito de um segundo Oscar em seis anos. Bateu Annette Bening outra vez. Uma categoria em que a lei da compensação não valeu. Lei que elegeu Morgan Freeman, correto e igual a tudo o que faz no mesmo filme de Swank. Numa categoria com interpretações corretas, a idade e o carisma de Freeman fizeram peso na balança.

Cate Blanchett, vejam só, foi o prêmio mais importante de O Aviador. Seu desempenho, realmente afetado nas primeiras cenas cresce ao longo do filme e nos devolve à grande atriz que ela é. Venceu Virginia Madsen, que está linda em Sideways, que ficou com um prêmio bastante esperado de roteiro adaptado. Entre os originais, um ufa com o anúncio da vitória de Charlie Kaufman pelo belo Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, um filme que poderia sofrer com sua juventude. Como na Academia, quem manda é a idade, foi uma decisão muito bem vinda.

A premiação de Jamie Foxx, discurso da vovó do ano, por Ray foi, além de esperada, de certa forma, feliz. Bom ator, Foxx, apesar da caricatura, foi bem honesto ao viver Ray Charles, embora o ator do ano tenha sido Leonardo Di Caprio (que foi com a Giselle, o contrato deixou…). O que o filme de Foxx não merecia foi ganhar na sonoplastia. Pareceu homenagem póstuma ao compositor retratado no longa. Todos os demais candidatos eram melhores.

Mar Adentro ganhou como filme estrangeiro, categoria que precisa ter as regras mudadas para ser justa de verdade. Sorte que o filme era realmente muito bom, apesar de terem ignorado a excelência da interpretação de Javier Bardem. E Os Incríveis, que não tinha concorrente à altura como filme de animação, ainda somou uma estatueta pela edição de som, roubando – um roubo delicioso, por sinal – um segundo prêmio para Homem-Aranha 2, Oscar de efeitos visuais e, que se o mundo fosse justo, estaria entre os melhores filmes do ano.

Sem os Oscars principais, O Aviador levou merecidamente quase todos os prêmios técnicos: fotografia (único questionável pelo excesso de filtros), montagem, direção de arte e figurinos. Nos dois últimos, vencendo sem dó a fantasia de Desventuras em Série, que arrancou a vitória em maquiagem das mãos de Jesus (ainda bem…). Em Busca da Terra do Nunca ficou com o único que merecia, melhor trilha sonora. Se alguém acha que existe a categoria “filme feito para o Oscar”, alcunha atribuída para o filme errado neste ano, deveria assistir esse aqui.

As categorias secretas, aquelas em que a gente quase nunca sabe quem são os indicados (curtas de ação e de animação; documentários longa e curta), eu não vou comentar porque não tenho muito o que falar. As inovações na entrega dos prêmios foram bem vindas. A festa ficou mais animada. O Oscar honorário para Sidney Lumet foi uma bela lembrança para um diretor que fez muita coisa boa (apesar de ter nos dado muita coisa ruim também). Para a Academia, há saldo no fim das contas de 2004, apesar da vergonha que Jorge Drexler, o vingador, deliciosamente fez muita gente passar. Vergonha maior somente a da Rede Globo. Não tanto pelos comentários que, às vezes, resvalavam no mau humor, nem nos tropeços da tradução das vozes masculinas (como de praxe, o lado feminino teve a ótima Elisabete Hart), mas pela decisão feia, infeliz e especialmente injusta com o telespectador, que teve que ver a festa pela metade.

rodapé: Halle Berry ganhou pontos ao ir receber o Framboesa de Ouro de pior atriz. Mulher-Gato não ganhou mais coisa (filme, direção, roteiro) porque os votantes tiveram a esperteza de dar os prêmios de piores ator (George Bush), ator coadjuvante (Donald Rumsfeld), atriz coadjuvante (Britney Spears) e dupla (Bush e Condoleeza Rice) para a tragédia Fahrenheit 11 de Setembro.

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