Esse será o Oscar dos outsiders. Até pouco tempo atrás, David Fincher, Darren Aronofsky e David O. Russell eram diretores que a Academia sequer considerava em suas listas de melhores do ano. Cineastas jovens, cujas experimentações temáticas e estéticas pareciam brincadeiras para uns e abusos para outros. Todos tiveram que traçar um caminho, que passou por uma amadurecimento de seus cinemas ao mesmo tempo em que seus temas ficaram mais palatáveis para o Oscar. Foi um caminho longo.

Fincher, amado e odiado por Seven e Clube da Luta, bateu na trave com O Curioso Caso de Benjamin Button, que tem um perfil de épico intimista agradabilíssimo à Academia, mas que esbarrou no momento. Aquele era o ano de os Estados Unidos fazerem as pazes com o mundo, pedindo perdão por Bush, dando sua benção para a vinda de Obama, elegendo o globalizado Quem Quer Ser um Milionário?. Já A Rede Social conquista fácil: os moderninhos amam porque fala sobre o Facebook, conversa com nossa época. E os velhinhos vêem um filme careta, formal, gostoso de se assistir.

Darren Aronofsky viu sua atriz, Ellen Burstyn, e apenas ela concorrer ao Oscar de melhor atriz por Réquiem para um Sonho; foi ignorado solene e merecidamente por Fonte da Vida e voltou ao mapa com seu filme menos ousado, pelo menos formalmente: O Lutador. Mas somente com Cisne Negro, finalista em praticamente todos os prêmios da crítica e pelo qual concorre ao Directors Guild of America pela primeira vez, que conseguiu ser aprovado pelo Oscar. O curioso é que o novo filme, um balé de alucinação e horror, não é bem o que a Academia gosta.

David O. Russell ficou famoso com a fotografia cheia de filtros e a montagem acelerada de Três Reis. Depois fez o cultuado indie Huckabees. Precisou de mais de dez anos e de seu filme mais convecional para entrar na lista do Oscar. O Vencedor reúne várias coisas que a Academia ama: é um drama familiar, um filme de boxe, tem vários atores bons e conta uma história real e de superação.

Outro que poderia se enquadrar nessa linhagem é Christopher Nolan. Ele teve uma chance com seu primeiro hit, Amnésia, mas não passou da menção em roteiro. Viu seu adorado Batman – O Cavaleiro das Trevas falhar nas categorias principais e agora, quando parecia um “lock” com A Origem, igualmente excessivamente ovacionado, perde a indicação em direção. Pedido de desculpas extraviado.

Mas o Oscar não está tão diferente assim: O Discurso do Rei prova que uma história de época ainda faz a Academia babar. Os Coen aparecem na lista com um remake de um filme clássico e com o gênero mais norte-americano de todos, o western. Toy Story 3, o filme mais unânime do ano, também aparece, garantindo a vaga na animação no sistema de cotas dos dez indicados, junto com Minhas Mães e Meu Pai, que ocupa o lugar da “prova de que a Academia é moderna”, já reservada a Pequena Miss Sunshine e Juno, indies que não ofendem ninguém. 127 Horas conta uma história real de drama e de dor. Já viu, né?

O único duelo parecia ser mesmo entre Atração Perigosa, de Ben Affleck, e Inverno na Alma, de Debra Granik. O primeiro seria a celebração de um jovem que o Oscar já havia premiado ainda filhote, um fruto da Academia, comandando um filme policial de natureza grande. O segundo, o enlace perfeito entre a Academia e todos os prêmios da crítica, que fizeram dele seu escolhido do ano entre os filmes independentes. E a Academia renegou seu filho e escolheu o corpo estranho.

A última vaga

Entre os diretores, Fincher, Hooper e Aronofsky eram os favoritos, juntamente com Chris Nolan, mas a vaga resolveu acabar com o duelo entre David O. Russell, de O Vencedor, e os irmãos Coen e seu Bravura Indômita, pela vaga final, ignorando Nolan e escolhendo O. Russell e os Coen.

Neste ano, valeu a regra da última vaga para os atores. Em praticamente todas as categorias havia quatro “indicações certas” e uma grande dúvida. Na categoria de melhor ator, Firth, Franco, Eisenberg e Bridges pareciam “locks” desde o começo. A última vaga era uma disputa de gerações: de um lado, Robert Duvall, Oscar na estante, lenda viva do cinema norte-americano, num filme pouco visto, Get Low. Do outro, Ryan Gosling, jovem dínamo já indicado ao Oscar, num filme igualmente pouco visto e muito elogiado, Blue Valentine. No meio, azarões: Paul Giamatti, boa aposta por A Minha Versão do Amor, e Javier Bardem, estrangeiro já premiado com o Oscar, por Biutiful. Venceu o espanhol consagrado.

Entre as atrizes, a mesma lógica: as favoritas Portman e Bening e as celebradas Kidman e Lawrence. Sobrava a vaga final, que tinha em Hailee Steinfeld, de Bravura Indômita, uma grande aposta, mas a campanha como coadjuvante a tirou do páreo. A segunda opção seria apostar no indie Blue Valentine e abraçar sua protagonista Michelle Williams, que já concorreu ao Oscar, ou então reprisar o SAG e investir em Hilary Swank, medíocre no medíocre Conviction. Seria como evitar pensar muito e celebrar uma atriz que já ganhou dois Oscars. E aí deu Williams.

Hailee Steinfeld falhou entre as protagonistas, mas teve votos suficientes para aparecer entre as coadjuvantes. Ela e mais Adams, Leo e Bonham-Carter eram apostas certeiras desde o começo da corrida ao Oscar. A vaga final tinha uma disputa de veteranas: Jackie Weaver, de Reino Animal, que sofria com o fato de ser australiana e não ter sido tão vista, Leslie Manville, de Another Year, que aparece desde semore nas listas e falhou em praticamente todos os precursores, e duas atrizes de Cisne Negro, a veterana Barbara Hershey, pouco citada, e a jovem Mila Kunis, que recebeu bem mais atenção da crítica. E o que o Oscar faz? Aposta no carisma magnético de Weaver.

Na categoria de ator coadjuvante, Christian Bale era o franco favorito desde sempre. Ninguém duvidava que Geoffrey Rush e Mark Ruffalo estariam a seu lado. E pouca gente não apostava em Jeremy Renner. A questão é: quem fecharia a lista? As possibilidades eram John Hawkes, do indie do ano Inverno na Alma, escolhido pelo SAG e com anos de estrada, mas pouco conhecido, e a jovem estrela Andrew Garfield, contraposto do filme do momento, A Rede Social, e o novo Homem-Aranha. E uma saída seria acolher mais uma vez Matt Damon, por Bravura Indômita. Nome forte e de quem todo mundo gosta. A Academia não subiu pelas paredes desta vez e escolheu o veterano que ninguém conhece.

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3 comentários sobre “Oscar 2011: reflexões”

  1. A minha impressão é que, com as 12 indicações de O Discurso do Rei, sua vitória no Producer´s Guid, e a arrancada de True Grit, todo aquele entusiasmo em torno de A Rede Social deu uma esfriada. Mas acho difícil, aind sim A Rede Social não ser o vencedor deste ano. Sem contar que é um ótimo filme, com méritos de sobra para levantar a estatueta máxima.
    Quem parece ter implodido suas chances no Oscar é A Origem, que no ano passado parecia despontar como favorito.
    Pessoalmente, não fui fã de primeira hora deste filme, mas vejo que é um caso parecido com o filme anterior de Nolan, Cavaleiro das Trevas: suas eventuais falhas/excessos são imensamente compensadas por seus evidentes méritos. Refletindo melhor, A Origem possui uma certa grandiosidade que só o cinema pode oferecer, grandiosidade como arte mesmo, que o cinema é. Adorei A Rede Social, mas este não me passou essa impressão, e se fosse para torcer, eu torceria por A Origem, que vai levar lá seus prêmios técnicos.
    E, na minha opinião, a O(nova) ausência de Christopher Nolan chega a ser absurda, que só se justifica por esse sistema de cotas que vc falou.
    Nolan deve se o novo Spielberg, que apesar de gênio, custou décadas para ser levado a sério pela Academia. Nolan só ganha um Oscar se fizer alguma dramão de 2ª Guerra, pelo jeito…

  2. Você acertou quase tudo, heim? John Hawkes, Another Year (R.O.) e montagem sem “A Origem” foram ótimos palpites. Javier e a ausência de Nolan surpreenderam e o filme grego bizarro foi uma agradável surpresa. Não esperava também.
    Esse ano será bem interessante… será que terá um favorito tão forte ao oscar como nos anos anteriores? Medo desse “O Discurso do Rei”

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