Gravidade

A maior surpresa que o Oscar pode nos dar neste domingo é premiar Gravidade como o melhor filme do ano. Embora o longa de Alfonso Cuarón seja um dos favoritos da noite – e sua vitória na categoria de melhor direção esteja praticamente certa – ganhar o principal prêmio deste ano revelaria que a Academia passa por um profundo processo de transformação. Não que Gravidade seja uma obra-prima, nem que seja um filme de arte “para poucos” e que ao elegê-lo o Oscar estaria se voltando para um tipo de filme mais elaborado e refinado. Gravidade está além destes conceitos porque ao mesmo tempo em que Cuarón nos entregou um reflexão sobre a vida, nos ofereceu também um espetáculo cinematográfico no sentido de grande show mesmo. Aí está a questão.

Em outros tempos, mas Gravidade teria mais chances de ganhar o Oscar caso os membros da Academia enxergassem o filme mais como uma obra ousada e séria do que como esse espetáculo do entretenimento. Isso poderia varrer para baixo do tapete um grande empecilho para a maior parte dos votantes do Oscar, a ideia de que filmes de gênero, sobretudo os que trabalham diretamente com a fantasia, como os de terror e os de ficção-científica, são filmes sem muito valor artístico e, assim, menos aptos a ser considerados para prêmios “sérios” como o da Academia, principalmente nas categorias principais. Indicar filmes com esse perfil não tem problema (eram cinco, agora até dez vagas para melhor filme), a questão justamente é premiá-los.

Na maioria das vezes em que o Oscar chegou perto de fazê-lo, voltou atrás. Veja o caso de Avatar, que há alguns anos se viu de favorito a relegado a prêmios técnicos. Mas, verdade seja dita, a Academia parece que ter se modernizado. Aqui e ali. Avatar inaugurou uma linhagem de filmes “virtuais”, cheios de efeitos visuais, que vem ganhando os Oscars de fotografia. A Invenção de Hugo Cabret e As Aventuras de Pi também venceram o prêmio, colocando a Academia numa espécie de vanguarda em relação a American Society of Cinematographers, o sindicato dos diretores de fotografia, que, apenas neste ano, se rendeu aos filmes com CGI, premiando Gravidade, que é o favorito para o Oscar no quesito, o que abriria espaço para voos mais altos.

O problema é que tanto Hugo quanto Pi eram filmes que têm o que a Academia acredita que dá mais estirpe para suas candidaturas: são baseados em livros, têm tom de fábula e são assinados por dois cineastas que o Oscar já premiou, Martin Scorsese e Ang Lee. E nem assim ganharam o prêmio principal. Gravidade, que é um roteiro original, e um cineasta que o Oscar só indicou como roteirista, teria mais chances? A questão é que nunca houve um precedente real para analisar as chances de Gravidade. Qual foi a última grande ficção-científica séria, premiada, sucesso de bilheteria e que pode ser chamada de marco no gênero? Mais ainda: que scifi ultrapassou as barreiras de gênero e também as do Oscar?

Portanto, uma vitória na noite de domingo coroaria uma momento da Academia: que deu muitos exemplos de que quer olhar pro futuro neste ano, eliminando quase que totalmente filmes como Walt nos Bastidores de Hollywood da lista de indicados, que deixou de indicar Robert Redford e Tom Hanks para apostar em Christian Bale e Jonah Hill, que pode não ter medo de premiar uma ficção-científica conceitual como melhor filme. Embora o histórico não favoreça Gravidade frente ao favorito 12 Anos de Escravidão (O Discurso do Rei x A Rede Social, por exemplo, mostra que quando o filme é mais convencional, a Academia geralmente opta por ele), o ineditismo desta condição (uma scifi realista, elogiada e frontunner) pode fazer lançar o filme de Cuarón para o alto e avante.

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3 comentários sobre “Oscar 2014: a Academia está preparada para premiar Gravidade?”

  1. Há o precedente da Academia premiar um filme de gênero como O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei, entretanto acho que a situação é diferente. Apesar de 12 Anos de Escravidão ser o favorito e reconhecer a sua importância em resgatar a tragédia do escravagismo, acho Gravidade um filme melhor (embora inferior a O Lobo de Wall Street que lamentavelmente não tem chance). Gravidade tem uma história impactante, foi uma ótima experiência cinematográfica, e espero que a Academia supere a sua tradicional miopia e o premie como melhor filme do ano.

  2. Nossa, mas a comparação de 12 Anos com Discurso do Rei é completamente infundada. O filme de McQueen tá longe de ser acadêmico, quadrado e convencional, por favor!! Os dois filmes são incríveis, mas premiar Gravidade ao invés de 12 Anos vai ser a Academia querer olhar pro futuro, ignorando todo o passado de racismo presente no cinema americano.

  3. Só que desta vez se 12 anos ganhar, não vai ter como alguém falar: deram o prêmio para esse filme fraco! . Os dois filmes são demais,como também o lobo de wall street e ela. Mas concerteza ficaria feliz se gravidade ganhasse de melhor filme,pois a experiencia que esse filme me proporcionou na telona, foi uma das melhores que tive na vida.

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