Quando Eu Era Vivo

Difícil dizer quem foi o mais ousado em Quando Eu Era Vivo: o diretor Marco Dutra, que convidou a cantora Sandy Leah para o principal papel feminino do longa, ou a popstar brasileira, que acabou de completar 31 anos e topou fazer um filme independente de terror no Brasil. Dutra arriscou sua boa reputação como curta-metragista e pelo longa de estreia, lançado três anos atrás, (Trabalhar Cansa), ao apostar num talento que, apesar da sua experiência na TV e no cinema, Sandy nunca explorou com seriedade. Por outro lado, para alguém que conhece o estrelato desde os oito anos de idade, trabalhar com um realizador independente e aceitar um papel que nem é o de protagonista parece uma decisão bastante corajosa.

A reunião dos dois deu certo. Quando Eu Era Vivo revela um completo amadurecimento de Marco Dutra como diretor. Embora seu filme anterior seja, digamos, mais original, este novo trabalho mostra que o cineasta está mais habilidoso tanto para dirigir atores quanto para dar unidade ao filme. Não existem aqueles tempos estranhos nas interpretações do elenco ao mesmo tempo em que o roteiro, escrito por ele em parceria com Gabriela de Amaral Almeida, tem um fluxo bem mais sofisticado do que antes, amarrando cada ponta, oferecendo algo saboroso à cada cena, mas sem recorrer ao artifício do susto gratuito.

A história é a do homem que se separa da esposa e volta a morar com o pai. Esse retorno ao apartamento onde ele passou toda a infância faz ressurgir demônios escondidos e uma presença da qual ele não sabe como se livrar. Dutra consegue instalar um clima de terror claustrofóbico, ora psicológico, ora simplesmente macabro, que dialoga com um cinema de terror mais clássico, embora mantenha um tom autoral do diretor. A ambientação é excepcional. O antigo apartamento no centro de São Paulo, mobiliado como há trinta ou quarenta anos, serve não apenas para abrigar personagens num duelo eterno com o passado, como ajuda a retratar o que restou de uma classe média que caiu em decadência e que tenta se modernizar pelo lado errado, vestindo os ecos de um tempo perdido.

Antonio Fagundes, que não fazia cinema havia 9 anos, surge excelente como o porta-voz desta geração. O ator da novela da nove deixa de lado seus garanhões da terceira idade e assume o papel de um galã suburbano aposentado que encontra no filho um empecilho para seu novo olhar para o mundo. A caracterização do ator é perfeita, das roupas aos cabelos tingidos e sem corte. E Fagundes não economiza nos detalhes e delicadezas de sua interpretação. Sua simples presença dá uma credibilidade absurda ao filme. Marat Descartes, o real protagonista, ensaia alguma caricatura, mas consegue conduz a trama bem decentemente.

As presenças de um ator de TV e de uma estrela da música devem despertar o interesse de um espectador que normalmente não iria ao cinema para ver um filme de terror, sobretudo um brasileiro. Por isso, Quando Eu Era Vivo tem um importante papel no cinema de gênero feito no país, dando novo fôlego a uma produção geralmente à margem da cinematografia nacional. O filme trata o tema com seriedade, não oferece soluções óbvias, é estetica e tecnicamente bem realizado e aponta para novos caminhos, quase que deixados de lado pelos cineastas do país.

Enquanto os olhares naturalmente se voltam para Sandy, duas outras coadjuvantes brilham. Gilda Nomacce impressiona por conseguir equilibrar a nuances de sua personagem nas poucas, mas excepcionais aparições como Miranda, que divide as funções de manicure e sensitiva, e cuja função é dar outra perspectiva ao filme. Já Tuna Dwek rouba as duas cenas em que aparece: a primeira pela entrega física; a segunda por um olhar de raiva angustiante. E para quem estava desconfiado da performance de Sandy, ela está muito bem dirigida, comprou a proposta do filme e surpreende em quase todas as sequências que estrela, inclusive naquelas em que canta. O diretor, por sinal, foi muito feliz ao integrar a persona musical de Sandy ao filme.

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[Quando Eu Era Vivo, Marco Dutra, 2014]

Comentários

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38 comentários sobre “Quando Eu Era Vivo”

  1. Nossa quanto preconceito,a maioria nem viu o filme e se acha no direito de julgar…ah vão arranjar um serviço bando de otário…eu assisti o filme em SP na estréia…e o filme é ótimo,excelente…Fagundes está sensacional…o cinema brasileiro deveria apostar mais em filmes de terror e suspense…o que se ve é uma enchurrada de filmes de comédia sem graça…e pra terminar a Sandy estava muito bem no papel que interpretou,não consigo ver outra pessoa no papel da bruna,tinha de ser ela…parabéns ao Marco,direção impecavel!

  2. *O artigo é muito bom, e isto quer dizer que satisfaz gregos e troianos. (estava realmente afim de escrever muito, mas o “aparelho” postou por conta, rs, então resolvi deixar que se acalme.
    Volto depois, tentarei combater essa coisa monstruosa dos preconceitos.

  3. Desculpe me, mas qualquer coisa que a ” Devassa ” da mocinha chamada Sandy se mistura, tira o tesão….Foi um erro enorme escala-la…O filme perdeu o clima de suspense e misterio, com uma artista tão ” sem graça ” e que sempre quer fazer o papel de boa moça ( ela até pode ser mesmo boa mocinha… ) . Mas para este estilo de filme exige uma artista multifacetata e habilidosa ( e graças a Deus nos temos muitas, mas a Sandy não está entre elas ) .

    1. A garota devassa que ganho inumeros premios sendo a sem sal, ela é Sandy voces que falam mal quem são mesmo? obrigado

        1. É com essa “vozinha de pernilongo” que ela ganha a vida dela enquanto vc não tem nada a fazer além de fazer uma crítica/observação tão ridícula! –‘

  4. Só espero que não seja mais uma filmes feito para gastar pouco e usar nomes conhecidos para trazer a pivetada para o cinema….espero que gastem um pouco para fazer o filme e não como costuma ser filmes brasileiros, só diálogos, piadas sem graça, galã e gostosas e mais nada….

  5. Enquanto coisas como essa persistirem no cinema brasileiro (colocar Sandys da vida como atrizes) é óbvio que os vexames continuarão. Enquanto ex-BBB for sinônimo de ator no Brasil, não se pode conversar sério. Enquanto qualquer zé mané pseudo-ator de novela continuar a ter seus péssimos trabalhos noveleiros exaltados como obras primas, o cinema brasileiro continuará a fracassar. Existem alguns bons atores que trabalham em novelas sim, mas a esmagadora maioria, é muito fraca e/ou incapaz de interpretar um papel em um filme, fazer sucesso em novela, usando dos dramalhões dignos das novelas mexicanas ou de atuações exageradamente espalhafatosas e teatralizadas, que ficam longe de uma representação autêntica da vida não vai fazer o cinema nacional ir para a frente. Enquanto os profissionais da área não entenderem que Filme não é Novela, as coisas continuarão como estão, com um ou outro filme se destacando entre a população, e frequentemente são justamente filmes que fogem do “jeito globo” de fazer televisão, com suas novelas mexicanizadas, ultra-teatralizadas e cheias de subcelebridades instantâneas.

    1. Adorei a sua crítica, Xavier. Apesar de admirar muito a cantora Sandy e acreditar no trabalho dela também como atriz. Você tem muita razão no que fala e em concordo com quase tudo.

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