René Guerra

O mundo das travestis é o mundo da encenação. Eles que são elas já nascem no palco. Estão sempre dispostos a interpretar. Personagens por natureza, são donos de identidades secretas que se revelam quando eles ou elas bem entendem. Em Quem Tem Medo de Cris Negão?, René Guerra invadiu esse universo infinito com a proposta de tirar as travestis do salto, utilizando justamente sua tendência ao cênico. Usando uma série de entrevistas como estrutura de seu filme, o diretor investiga a morte de Cristiane Jordan, a Cris Negão, uma travesti que cafetinava outras travestis no centro de São Paulo.

Mas, desde a primeira cena do filme, René já mostra sua intenção descortinar o processo. Se os depoimentos ajudam a montar um mosaico do cenário do crime, mais do que isso, a forma de que o diretor se apropria para contar sua história cria um paradoxo fértil: ao mesmo tempo em que desmonta as “testemunhas”, deixando explícita a porção de ficção que carrega cada uma daquelas personagens, ele ajuda a construir e explicar a complexidade de um mundo em que a romantização da vida cotidiana faz parte intrínseca da formação pessoal.

Quando instrui Phedra a interpretar como se estivesse sendo interrogada por um policial, René explicita a tendência natural da personagem para encenar.  E opta ele mesmo pelo drama em vez do documento.  Desnuda a personagem e a si mesmo como diretor, intervindo no processo. Em outro nível, ele materializa a pluralidade do discurso de quem defende ou ataca Cris Negão refletindo suas imagens em  espelhos estilhaçados, numa clara referência de que ele se exime de encontrar uma verdade sobre o caso.

A engenhosidade da fotografia é só um traço do cinema que René faz nos 25 minutos de Quem Tem Medo de Cris Negão? Um cinema que conversa tanto com o documentário de intervenção de Eduardo Coutinho quanto na apaixonada ficção de submundo que Pedro Almodóvar outrora filmou. O que se sobressai é o trabalho de um cineasta disposto tanto a descobrir um universo fechado quanto a encontrar uma linguagem própria e popular para se expressar.

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[Quem Tem Medo de Cris Negão?, René Guerra, 2012]

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