Béla Tarr

A história que Sátántangó poderia ser contada facilmente num filme de 100 minutos: uma aldeia de onde todos querem sair, mas à qual todos estão presos. A longa duração do filme de Béla Tarr, sete horas e meia, não tem nada a ver com o que ele leva à tela, mas com o como ele conta essa história. O cinema do húngaro é o da investigação dos personagens. Ele gasta o que tempo que acha necessário, até uma hora se for o caso, para compor um perfil de um coadjuvante: examina sua rotina, detalha seus hábitos, revela suas idiossincrasias e, assim, captura sua essência.

A maneira como apresenta os personagens nos demove da condição de simples espectadores. Tarr abre as portas da intimidade e nos obriga ao convívio com suas criaturas por tanto tempo que a contemplação se transforma em cumplicidade. E a maneira como faz isso é, guardada minha tendência ao exagero, genial. Seus filmes – e este em especial – têm o melhor trabalho de câmera que eu já vi no cinema.

Ele consegue compor quadros belíssimos, ora enchendo a tela com elementos perfeitamente posicionados, ora com movimentos de câmera irretocáveis, mesmo quando o terreno não é dos melhores, ora com um delicado trabalho de iluminação. Mas, na maior parte das vezes, e estamos falando de um filme com 450 minutos, com os três ao mesmo tempo. O resultado é que ele consegue imprimir uma espécie de melodia que transforma cenas enormes em balés do cotidiano, com seu ritmo próprio e sua beleza rara.

A estrutura do filme, divido em doze capítulos, parece ser baseada na do tango – daí o nome – com seis passos pra frente e seis passos para trás. Essa ideia é a base para que Tarr sincronize as histórias paralelas de seus muitos personagens e crie novas relações entre eles. Um trabalho refinadíssimo onde, em vez de potencializar os laços da trama, base para vários escândalos no cinema da última década, Tarr suaviza esses “encontros de histórias” e trata as coincidências da vida com naturalidade.

Embora a palavra interprete os personagens ao fim de cada um dos capítulos da trama, Béla Tarr não parece ser muito fã delas. Para ele, cinema se conta com uma câmera, mesmo que isso leve mais tempo do que se imagina.

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[Sátántangó, Béla Tarr, 1994]

Comentários

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5 comentários sobre “Sátántangó”

  1. Oi Chico! Sim, ontem eu vi o Harmonias de Werckmeister. Filmaço! Realmente ele mudou bastante de estilo, sendo que ambos os estilos são muito bons. Também vi ontem o Outsider. Achei interessantíssimo a forma com que ele trata a música, inclusive porque eu sou músico. As seguintes cenas, todas relacionadas com música: do baile em Pessoas Pré-Fabricadas, da banda em Outsider são sensacionais, e de um dos personagens do “Harmonias” falando sobre harmonias são sensacionais! Me surpreendi com a qualidade dos filmes do Béla Tarr. abraço!

  2. Marcelo, ainda não vi o “Pessoas Pré-Fabricadas”, mas o Béla Tarr muda radicalmente de estilo a partir do “Maldição”/”Danação”. E continua excelente. Vale muito a pena ver.

  3. Realmente, o filme tem que ser excelente para compensar essa longa duração! E pelo que eu vi, no filme “Vidas Pré-Fabricadas”, esse Béla Tarr não é de brincadeira não! O cara é muito bom! O tema é um dos mais batidos e manjados possíveis: um casal de classe média em crise. Porém, a intensidade do filme, as cenas de discussão, com o som estouradão, a mulher histérica e o bebê chorando, faz tudo mudar de figura. E tudo isso numa linda fotografia em vermelho e branco, meio sépia… O cara é um gênio mesmo!

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