Se Nada Mais Der Certo

Foi esquisito quando eu percebi, quando eu me dirigia ao elevador, que as duas únicas pessoas que estavam na mesma sessão em que eu vi Se Nada Mais Der Certo, faziam exatamente o mesmo. Seríamos só nós três, ilustres desconhecidos. Meus colegas eram um senhor de uns 60 anos e um rapaz, na mesma faixa etária que eu, talvez um pouco menos, com uns 30. Entramos no elevador e o silêncio imperou. Os dois iriam para o mesmo andar de garagem. Eu desceria antes, no térreo. Fiquei imaginando que todos os três gostariam de saber o que os outros haviam achado do filme. Mas, pelos olhares baixos, dispersos, parecia que a viagem seria silenciosa.

Ledo engano. Uma peripécia do destino mudaria o final desta história. Assim que a porta do elevador abre, faço o movimento para descer, mas percebo logo em seguida que ainda estava no mesmo terceiro andar do qual queria sair. O elevador havia subido sem ninguém perceber. E voltou para seu andar de origem. Foi então que o senhor acabou com o silêncio: “o que aconteceu?”. Respondi o que achava ser a explicação, mas a deixa havia sido dada: “você estava na sessão desse filme…?”. Nem deixei ele completar a frase. Tudo o que queria tinha sido me dado pelo destino. “Estava sim”. E ele emenda, perguntando se eu havia gostado. “Nossa, adorei”.

O senhor parecia ter arrumado um cúmplice. Falou que tinha gostado bastante, mas que ficou com receio de comentar isso porque nunca se sabe o que as outras pessoas podem achar. O elevador chega ao térreo. Um “boa noite” finaliza a conversa. A opinião do meu colega de plateia tinha me deixado feliz. Mas cheio de dúvidas. O que me fez gostar tanto do filme de José Eduardo Belmonte? Por que Se Nada Mais Der Certo tinha tantas possibilidades de ser o meu filme do ano? Pela terceira vez, eu via um filme do cineasta e ficava sem saber explicar direito o porquê de eu gostar tanto dele. Desta vez, com um agravante. Eu havia achado o filme maravilhoso.

Comecei a revirar meu baú de memórias e buscar minhas impressões sobre a cinematografia do brasiliense. A Concepção e seu grupo alternativo anárquico-guerrilheiro tem exatamente o perfil de filme que eu odeio, mas Belmonte, além de defender suas ideias com uma honestidade latente, comanda o longa de uma maneira tão sem afetações – e com excelência técnica, sobretudo na montagem – que o resultado me parecia muito acima do que eu poderia esperar. Meu Mundo em Perigo, visto recentemente, também havia me surpreendido. Um encontro entre dois estranhos num hotel de quinta se transformou num exercício de análise do momento atual da vida de cada um dos personagens. Algo como um Encontros e Desencontros mais denso.

Se Nada Mais Der Certo segue em outra corrente. Não faz par nem com um, nem com outro, mas forma um conjunto bastante coerente com os dois. Na temática, o filme se aproxima mais de dois “primos pobres”, Crash e Babel, dois dos piores filmes desta década. Os longas de Paul Haggis e Alejandro Gonzalez Iñarritu, sob a égide de mostrar a degradação moral e ética do homem, desrespeitam seus personagens com roteiros maniqueístas e simplistas que mostram a corrupção como inerente à alma humana, produto do meio. Belmonte segue um caminho contrário: seus três protagonistas estão mergulhando num mundo marginal, criminoso mesmo, mas suas integridades nunca são questionadas.

Ao diretor não interessa investigar a perda de parâmetros de seus personagens. Suas motivações estão claras – sustentar a família, sustentar a si mesmos. Tudo é muito prático e pragmático. Mas nunca simplista. Pelo contrário. Belmonte talvez seja hoje o cineasta mais político do Brasil. Seus filmes transbordam uma ideologia renovada, consciente, nunca assumem o panfleto como forma de manifestação. Não acusa por acusar, não defende por defender. O movimento dos personagens é a expressão política do cineasta. Uma expressão tão pura que ganha a voz dos Saltimbancos, amarrando momentos cruciais da história. Mas essa atitude política nunca se resolve em si mesma. Belmonte equilibra sua manifestação política com um imenso respeito pelos personagens.

O diretor não os acusa com juízos de valores, nem os condena pelas mãos do destino, como fazem seus párias de temática semelhante. A ele interessa muito mais como os protagonistas irão se aproximar, interagir e como seu mundo será representado e redefinido a partir disso. O encontro é transformador para os três. Unidos, o jornalista (um Cauã Reymond impressionantemente maduro), o taxista (João Miguel sempre correto) e a traficante (Caroline Abras, arrebatadora) redescobrem afetos e inventam para si uma nova família. É ela em que eles apostam e usam como plataforma e porto seguro. Esta família dá novo sentido ao presente, conceito de tempo que parece imperar no filme embora o tom seja o da nostalgia vaga. A família que se forma é a maior atitude política de Belmonte. É quando o cineasta dá um novo sentido ao “todos juntos somos fortes, não há nada a temer”.

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[Se Nada Mais Der Certo, José Eduardo Belmonte, 2008]

Comentários

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22 comentários sobre “Se Nada Mais Der Certo”

  1. De uma certa forma, com a exibição precária no cine UFF(Niterói), perdi muito dos diálogos e não pude fazer uma avaliação correta do desenvolvimento da trama. Com muitas cenas gratuitas, é confuso e excessivamente longo. Tem tem o mérito da temática. Mas isso não basta. Se o visse em melhores condições de exibição, talvez fizesse outro juízo.

  2. Bom, eu respeito a opinião e gosto de cada..
    Só “não entendo não entender” que não precisa menosprezar o entendimento alheio sobre o filme para exaltar o seu… desnecessário isso (além de maleducado).

    Uma coisa é você pontuar sua visão do filme no post, do modo que bem entender, mas outra é vir aqui replicar os comentários de um modo a dizer que “ah, burros são os que não veem o que eu vejo, que o filme é uma merda”.

    Feio isso, cara…

  3. Nossa, apenas parei para ler o texto porque vi algo sobre Crash e Babel. Quanto a este, até concordo que o Iñarritu pecou, ficou tudo muito caricato, ainda mais se comparado a 21 Gramas..

    Mas eu AMO Crash. Acho uma puta lição, não vejo nada de maniqueísta, afinal, somos todos assim: um misto de bem e mal, e ali nenhuma das personagens revela apenas um lado só. Mostra o céu e o inferno que cada um vive, aguentando o tranco que pode…

    Porém, gosto é gosto…

    Só que desta vez eu discordo veemente!

  4. Eu também adorei o filme e saí encantada com Caroline Abras. Só não concordo com a maturidade do Cauã. Sim, ele está evoluindo, mas ainda não chegou lá.
    Excelente texto!
    Grande abraço
    =)

  5. Nossa. Gosto bastante das suas críticas, mas depois de eu ter visto os outros filmes do Belmonte e achá-los apenas ok e ter gostado bem mais de Crash e Babel, só pude imaginar que as 5 estrelas que você deu são um exagero.
    Conheci o Belmonte (também sou de Brasília), é um cara super simples e em consideração a ele, verei o filme, quando estrear por aqui, mas sem muitas expectativas. As críticas de quem o assistiu no FIC e no Festival de Brasília do ano passado foram bem mornas.

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