Apichatpong Weerasethakul

O texto que começa aqui não tem a presunção de traduzir nem decifrar o cinema de Apichatpong Weerasethakul. Muito pelo contrário: esse texto reforça que os filmes do diretor tailandês, que finalmente chega ao circuito comercial brasileiro, são lentos, quase sem ação, cheios de cógidos e simbologias, têm estrutura não-linear e às vezes anárquica, e são difíceis de serem compreendidos completamente, mesmo para um espectador assíduo de festivais, acostumado a narrativas e formatos pouco usuais. Mesmo assim, quem nunca assistiu a um filme do diretor, bem que poderia dar uma chance a seu universo, que, ao mesmo tempo, pode ter tanta simplicidade quanto o apelido dele, Joe, com qual ele mesmo se nomeia.

Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas parece ser seu trabalho mais delicado, o mais devotado à memória e ao fantástico, elementos caríssimos ao cinema do tailandês que se misturam de maneira irrevogável e quase imperceptível à trama “principal”. Seu protagonista enfrenta a proximidade da morte, o que traz fantasmas do passado, lendas e mitologia literalmente para a mesa do jantar. Como faz em seus filmes anteriores, Apichatpong mergulha no minúsculo com uma lente de aumento, mas seu olhar, que à primeira vista parece documental, trabalha muito mais com impressões do que registros. O cineasta entende o homem como produto do meio. Sua relação com o ambiente, sua cultura e sua religiosidade, e com a natureza das coisas é fundamental para determinar que caminho seguir. Tudo está contaminado pelos elementos sobre os quais não temos controle.

Filme-irmão de seu longa mais famoso, Mal dos Trópicos, tanto em sua temática de fábula quanto em sua estrutura que nos expulsa da linha narrativa principal para ilustrar seus conceitos, Tio Boonmee é o trabalho mais corajoso do diretor, justamente por assumir seus excessos de maneira quase orgulhosa. Quando chama sua criatura, cuja primeira aparição é horripilante, para a frente das câmeras, o diretor transpõe parâmetros e limites. Abre espaço para tudo. A partir daí, o que vem a seguir faz parte de um universo gigante de possibilidades e, dessa forma, tudo parece muito mais genuíno e tão simples quanto um boi pastando ou uma conversa de pai para filho: “o céu é superestimado; não tem nada lá”. Com uma liberdade quase pueril para modelar sua história (e a estrutura de seu filme a partir dessa modelagem), Tio Boonmee parece estar bem perto da criança que o diretor parece guardar dentro de si. Eu espero estar por aqui durante muito tempo para ver esta criança crescer.

Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Loong Boonmee Raleuk Chat, Apichatpong Weerasethakul, 2010]

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3 comentários sobre “Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas”

  1. Acabei de ver o filme,ainda to digerindo ele.Mas se não chega a ser um clássico,ao menos é um dos mais belos e intrigantes de 2011!Uma velinha na minha sessão dormiu de roncar,e saiu esculhambando o filme.

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