Intenção. Talvez seja esta toda a questão da obra de Michael Moore. O jornalista underground que virou documentarista/cineasta é dono de uma série de filmes polêmicos, que culminam no seu último longa, Tiros em Columbine, que passou na Mostra de Cinema de São Paulo no ano passado, ganhou o Oscar (e gerou o mais comentado discurso de agradecimento da festa nos últimos tempos) e agora estréia em circuito. Columbine se utiliza do drama real de duas crianças que invadiram a escola onde estudavam, armadas, e mandaram ver. Mataram meio mundo. Feriram outro bocado. Uma história triste que fez Michael Moore pensar: como os EUA são uma sociedade podre!

 

Moore é um homem inteligente. Ele pode não ter uma aparência das mais agradáveis, mas sabe fazer associações, mesmo que elas surjam da cabeça dele. Em Tiros em Columbine, ele atribui o caso dos garotos ao amor que a sociedade norte-americana tem pelas armas e pelo mundo bélico em geral. Fala sobre como as pessoas preferem se defender sozinhas ou sobre como elas têm a necessidade de fazer clichê, ops, justiça pelas próprias mãos. Disserta sobre como os EUA se construíram através do imperialismo imposto à força para o resto do mundo. Procura entender como um ator tão famoso quanto o Charlton Heston consegue ser o maior defensor das armas de todos os tempos. Vai atrás de quem vendeu as balas em Columbine para mostrar o que elas fizeram com as crianças.

 

É preciso reconhecer: Moore faz isso de uma forma genial. Trabalha com uma excepcional edição, recursos narrativos retirados de outras formas de expressão, como a animação, e consegue fazer um filme inteligente e ricos de nuances. Difícil não concordar com ele com tantos fatos e tantas nuances acerca deles. Tudo é muito justificado, embasado, provado. Michael Moore, que deve ter tido um trabalho monstruoso para concluir seu filme, parece dizer um belo ufa ao final da projeção, que em geral é recebida com aplausos entusiasmados. Afinal, todo mundo adora quando falam mal dos EUA, fala a verdade. Todo mundo acha muito legal quando lembram o quanto é parca aquela sociedade, o quanto os norte-americanos são rasos, o quanto eles impõem goela abaixo quase tudo que o mundo consome. É sempre muito estimulante concordar com alguém que critica o amor que o norte-americano tem pelo próprio umbigo. Ainda mais em tempos de uma guerra sem motivo, equivocada desde o começo.

 

Mas aí a gente pára e pensa um pouco: qual é a intenção de Moore em fazer este filme? Mostrar a verdade? Qual a intenção do cineasta em fingir que entrevistava o reacionário do Charlton Heston quando mal o deixava abrir a boca? Mostrar o quanto o reacionário do Charlton Heston é reacionário? Qual sua intenção em tomar para si um caso tão trágico como o de Columbine? Será que ele veio para a Terra para fazer o bem? Se a gente for pensar bem, Michael Moore se aproxima dos anti-heróis atuais. Feio que dói, gordo, sem papas na língua, disposto a fazer valer a justiça pelas próprias mãos. Ele mostra o problema e ele mesmo vai buscar a solução, não é genial? Leva os garotos aleijados para o lugar onde as balas são vendidas e consegue mudar a história. Perfeito… Espera aí, eu falei justiça pelas próprias mãos? Então é isso? Moore faz justiça pelas próprias mãos? Assim como o pai de família que compra a arma e a deixa em casa para matar o seu próprio bandido? Parece que é. Eu falo que parece porque eu não sei tantas coisas quanto Michael Moore, que pode dizer o que é verdade ou não.

 

Tiros em Columbine

Bowling for Columbine, EUA, 2002

Direção: Michael Moore.

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