Sessenta e quatro anos de idade, trinta e nove anos de carreira. Pedro Almodóvar, que me perdoe Luis Buñuel, é o diretor espanhol mais conhecido da história do cinema. Sabe, como ninguém, costurar o melodrama e humor ácido. É a voz do cinema latino. Revelou Antonio Banderas, Carmen Maura, Marisa Paredes, consolidou Javier Bardem e Penélope Cruz. Em seus anos de estrada, cometeu alguns tropeços, com Má Educação, mas entregou um punhado de pérolas e algumas obras-primas. Hoje, dia do aniversário do cineasta, o Filmes do Chico elenca seus dez melhores filmes.

Labirinto de Paixões

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[Laberinto de Pasiones, 1982]

Segundo filme do diretor, Labirinto de Paixões não tem pudores. Sem o peso de ser um grande mestre do cinema, Almodóvar se permitia completamente. Conta uma história absolutamente nonsense com um sarcasmo delicioso. Um filme livre de qualquer amarra com um elenco comandado pela maravilhosa Cecilia Roth, como uma ninfomaníaca que contracena com os personagens mais absurdos. O filme é da época em que o diretor não tinha vergonha de nada, nem de ser escatológico.

Matador

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[Matador, 1986]

Matador é um filme à parte na obra de Almodóvar. Talvez seja o longa mais masculino do diretor; talvez seja seu trabalho mais obscuro. O cineasta subverte o filme de serial killer com um protagonista que é um ex-aprendiz de toureiro e assume os crimes de seu mentor como se a transferência de personalidade curasse seu fracasso profissional. Almodóvar associa as mortes dos touros, as conquistas do assassinos e os assassinatos em si de forma ousada, tendo a religião como um fio condutor que nem sempre esteja em primeiro plano.

Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos

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[Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios, 1988]

A revisão revelou algumas fragilidades – talvez se o melodrama fosse tão rasgado quanto a comédia o filme funcionasse ainda melhor -, mas o primeiro grande sucesso internacional de Almodóvar continua sendo uma experiência deliciosa. Carmen Maura lidera um elenco feminino impecável, com destaque para Julieta Serrano, completamente despirocada como a esposa traída, e Rossy De Palma, que acentua o pacote “exótico” do filme. As piadas estão no lugar certo e o kitsch de sempre ganha um toque estilizado. Impossível não embarcar naquele táxi de oncinha.

Ata-me!

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[Atame!, 1990]

Ata-me! talvez seja a maior história de amor da carreira de Pedro Almodóvar. E uma história de amor segundo este cineasta precisa de um casal de protagonistas como uma atriz pornô e um sequestrador obcecado. O amor romântico de Almodóvar tem por base instintos selvagens, desejos exacerbados, histrionismo, violência, lascívia e sexo, muito sexo. Victoria Abril e Antonio Banderas parecem tomados, possuídos e cheios de tesão. Um filme de amor físico que só Almodóvar poderia fazer.

Maus Hábitos

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[Entre Tinieblas, 1984]

A maior blasfêmia de Pedro Almodóvar e um de seus filmes mais deliciosos. Nunca o diretor foi tão amoral e tão sem pudores e limites. Embora tenha tido que dar o papel de protagonista para a fraca Cristina S. Pascual em troca do dinheiro para fazer o longa, Maus Hábitos, mesmo sem a maturação dos filmes mais recentes, transbordava uma anarquia legítima. Estamos num convento em que as freiras, cada uma a seu modo, vivem suas perversões. Almodóvar escracha com a Igreja Católica na base do deboche. Mais libertário, impossível.

A Pele que Habito

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[La Piel que Habito, 2011]

O filme começa remetendo ao cinema de horror europeu dos anos 60. A boa notícia mesmo é que Almodóvar perdeu o medo do ridículo e prova isso logo nos primeiros minutos do filme, com o personagem do Tigre, que recupera o escracho que o diretor tinha perdido há tempos. A maneira como o roteiro constrói o personagem central é um trabalho de um refinamento impressionante, embora, numa visão mais rasa, por sua própria natureza, possa parecer exatamente o contrário. Há tempos que o cinema não acompanhava as transformações de um personagem tão intima e despudoradamente.

A Lei do Desejo

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[La Ley del Deseo, 1987]

A Lei do Desejo coroa a primeira fase do cinema de Almodóvar. É, entre seus filmes mais antigos, o mais complexo e conceitual, e aquele que abertamente assume a temática homossexual. O cineasta invade este universo em dois personagens, dois irmãos, ambos gays. Eusebio Poncela é o diretor de filmes e peças engajado com o movimento, que se envolve com um homem mais jovem, e Carmen Maura, numa escolha ousada, é a travesti vítima de abuso do pai. Cenas de sexo ousadas, humor afiado e uma história de crime seguem lado a lado, como se o cineasta assumisse os riscos das escolhas de seus personagens.

Fale com Ela

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[Hable con Ella, 2002]

Fale com Ela é provavelmente o filme mais bem dirigido de Pedro Almodóvar. Uma obra que refina as conquistas de seus dois longas anteriores, mas que mantém preservado o lado provocador do cineasta. É um filme sobre amor, mas é um filme doentio sobre amor, da mesma maneira que Ata-me! também é um filme doentio sobre amor. O personagem de Javier Cámara, excelente, é extremamente incômodo por guardar em si dois lados tão radicalmente opostos. É apaixonante e repulsivo. Nunca Almodóvar tinha feito um protagonista tão paradoxal, razão pela qual talvez seus outros grandes filmes pareçam maiores.

Tudo Sobre Minha Mãe

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[Todo Sobre Mi Madre, 1999]

O filme mais universal do cineasta sobre o sentimento mais universal de todos, a maternidade. E também sobre tantas outras coisas. Tudo Sobre Minha Mãe, como coração de mãe, abraça tudo: referências cinematográficas, teatrais, travestismo e a dor do luto. Cecilia Roth, em estado de graça, parte numa jornada em busca do pai de seu filho morto. Comanda um elenco feminino em que cada grande atriz (Paredes, Cruz, San Juan, Sardá) empresta uma perspectiva para a homenagem do cineasta às mulheres, seu maior objeto de estudo, sua paixão desde as mais priscas eras, a casa e a mãe de seu cinema.

Carne Trêmula

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[Carne Tremula, 1997]

Das fase mais celebrada de Pedro Almodóvar, Carne Trêmula é o filme menos lembrado. Talvez por ter elementos de outros gêneros além do melodrama, por parecer menos puro ou menos “concentrado”, mas a adaptação que o espanhol faz do livro de Ruth Rendell parece ser um resumo de toda sua obra. Ali estão os exageros e a liberdade de seu cinema inicial e ali a estilização e o amadurecimento de suas obras mais elogiadas, que têm um carinho especial com os personagens. Aqui, Angela Molina é uma homenagem às mulheres de Almodóvar. Aqui, Javier Bardem é o macho que nunca encontrou espaço em seus filmes. Há uma pequena cena, belíssima, em que Francesa Neri passa por Bardem e, impactada, com a imagem daquele homem se vira em câmera lenta para observá-lo. Um momento mínimo, quase imperceptível, mas que anuncia uma cineasta diferente, que mesmo diante de uma protagonista irresponsável, acredita em algo maior.

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19 comentários sobre “Top 10: Pedro Almodóvar”

  1. Meu top 10 Almodóvar seria:
    1. Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos
    2. Amantes Passageiros
    3. Kika
    4. Maus Hábitos
    5. A Lei do Desejo
    6. Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão
    7. Labirinto de Paixões
    8. O Que Fiz Eu para Merecer Isto?
    9. Má Educação
    10. A Pele que Habito

  2. Também fiquei surpreso… Para mim, Má Educação é uma das melhores obras de Almodovar… Excelente!!! De forma alguma pode ser considerado um tropeço…

  3. Não acho que “la mala educación” tenha sido um “tropeço” do Almodóvar, acho até melhor que tantos outros citados na lista. Tiraria da lista “hable con ella” e incluiria “la mala educación”. Além disso pra mim “Todo sobre mi madre” supera todo e qualquer outro, inclusive “carne trémula”. Acho que um tropeço do Almodóvar foi “Volver”.

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