Trapaça

A Mostra de Cinema do ano passado exibiu, em cópia restaurada, O Grande Golpe, um dos primeiros filmes de Stanley Kubrick, realizado antes de o cineasta entrar em sua fase mais celebrada, quando esteve à frente de projetos mais autorais. Enquanto filme noir, enquanto peça da indústria do entretenimento, o longa de Kubrick atende completamente às expectativas em torno dele. Descreve demoradamente o processo de criação do golpe do título brasileiro, desenha com riqueza de detalhes cada personagem, inclusive os periféricos, e imprime um visual e um ritmo que respeitam e revitalizam o gênero em que se insere. Essa rápida digressão serve para comparar o que Kubrick conseguiu fazer com aquele filme pequeno com o que David O. Russell realizou em Trapaça, indicado a dez Oscars, merecedor de uma ou duas indicações.

Trapaça, como O Grande Golpe, é um filme que emula um gênero, que revisita um tipo de cinema, mas, ao contrário do filme de Kubrick, que não parte de expectativas, o longa de David O. Russell promete muito, mas não cumpre quase nada. Temos um bom elenco em interpretações que são boas, mas nunca oferecem realmente um diferencial. Temos uma trama cuja primeira referência – ou pelo menos a mais óbvia – é o cinema de Martin Scorsese dos anos 70 e 80, mas que, sob o pretexto da leveza, de ser uma “comédia”, não sabe muito bem como se aprofundar nos detalhes da história ou no desenho dos personagens. Temos uma direção que não sabe encontrar um tom certo, o que resulta num filme que é um pouco de tudo e não é muita coisa também. No entanto, há uma excelente reconstituição de época, que recria a era disco sobretudo em figurinos e penteados belíssimos que  deixam o prato mais colorido e perfumado. Não necessariamente saboroso.

O. Russell é um cineasta que transita em gêneros diferentes. Três Reis tinha o ritmo acelerado das deturpações do cinema pós-Quentin Tarantino, Huckabees plagiava a melancolia de um Wes Anderson, mas sem muito talento, O Vencedor, seu melhor filme, retomava um melodrama sério que fazia/faz falta no cinema americano. A história nos apresentou muitos bons diretores que pularam de gênero em gênero (Stanley Kubrick, George Stevens, Robert Wise), mas todos eles, os bons diretores, tinham uma espécie de marca em seu cinema, quando não uma assinatura. Trapaça parece sofrer justamente da falta de coesão do cinema de O. Russell. Este novo longa não dialoga com o que o diretor fez antes. E, sem encontrar uma unidade com sua obra, o filme segue desgovernado, mirando em coisas diferentes, sem desenvolver nenhuma delas, se escondendo na quantidade e não na qualidade de seus atores.

Tudo é muito simpático no filme e seu grande mérito é evocar uma época e um universo fascinantes. A embalagem visual e sonora tenta laçar o espectador, mas falta substância a esse passeio que O. Russell propõe. Christian Bale e Amy Adams são os melhores no filme, mas não há grande cenas para que eles encorpem seus personagens, enquanto Bradley Cooper e Jennifer Lawrence, ela melhor do que ele, reprisam maneirismos de suas interpretações anteriores. Ambos estavam bem muito bem no trabalho anterior do cineasta, O Lado Bom da Vida, única interpretação decente de Cooper. Já Jeremy Renner vai de lá pra cá e fica na coluna do meio mesmo. E a grande questão dos atores parece ser a grande questão do filme: Trapaça tinha chance de acertar em todos os aspectos, se lança inicialmente de maneira interessante para todos os lados, mas não realiza nada. A superficialidade incomoda mesmo num filme sem grandes intenções.

Trapaça EstrelinhaEstrelinha
[American Hustle, David O. Russell, 2013]

Comentários

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27 comentários sobre “Trapaça”

  1. Achei o filme interessante como entretenimento (não senti que joguei meu tempo fora, como acontece com alguns filmes por aí), mas realmente é bem superficial… gostei do Bale, da Amy Adams e , ao contrário de você, do Jeremy Renner… Ele me convenceu em um papel bem diferente do que ele tem feito nos últimos tempos (Avengers, Bourne, Missão Impossível…). Enfim, acho que é um filme que vale a pena assistir, mas não merece nem metade das indicações ao Oscar. Abração, Chico.

  2. Nossa que susto! Pensei que era a única a achar esse filme um verdadeiro SACO!!!!!! Tenho buscado assistir aos filmes que estão concorrendo ao Oscar e fui na semana passada com muita espectativa ver esta PROMESSA. Juro para vocês com 10 minutos de filme umas 3 pessoas já tinham ido embora. Resolvi dar mais uma oportunidade a ele, no entanto, aos 45 minutos respirei fundo e fiz uma coisa inedita na minha vida: levantei no meio do filme e fui embora.

  3. Concordo com vc qd diz que “O Vencedor” é o melhor filme de David O. Russell. “Trapaça” me deixou com mesma sensação de “O Lado Bom da Vida”: prometia, mas não cumpriu!

  4. Um filme normal, sem grandes mudanças e previsível. O que mais me chamou atenção mesmo foi Jennifer Lawrence, com um grande vigor e naturalidade. Não acho que Amy Adams, apesar de ser grande atriz, ameaça o Oscar de Cate. Sou mais Martin Scorcese com O Lobo de Wall Street.
    Adorei a crítica do filme Chico.

  5. Não concordo com a crítica. Primeiro, está em questão o trabalho de O. Russell nesse filme e não se ele tem trajetória coerente ou não. Segundo, o filme transita muito bem pelo universo proposto, com um ritmo muito consciente. A construção dos personagens é linda, revelando lentamente até onde está a razão e a emoção de cada um. Também não concordo como pouco caso das interpretações. Assistir muitos filmes não te faz o conhecedor do método e ou processo do ator. Gostar ou não do ator é uma questão de opinião, mas que os 5 principais estão profundamente concentrados no personagem é visível para os Profissionais da Interpretação (que é o meu caso). E não tem problema nenhum usarem maneirismos de seus personagens anteriores, pois o personagem nada mais é do que a versão daquele personagem, pela construção daquele ator e lógico que terá sempre seus maneirismos e particularidades do ator. Isso os torna mais humanos. Antes todos os filmes fossem tão coesos e de tamanho equilíbrio entre os atores como esse.

  6. Não acho trapaça um filme ruim,mas está longe e muito longe de filmaços como gravidade, 12 anos,ela e o lobo de wall street.Também não é melhor que filmes bons como dallas,a caça e nebraska. As unicas indicações corretas pro filme são a do Bale e da Adams é só.

  7. Concordo com quase tudo, o filme é muito chato e sem rumos e vários momentos e acaba como começou sem chega a lugar nenhum so discordo em relação a Jennifer Lawrence, eu não achava que ela merecia o seu 2º Oscar tão cedo, mas o melhores momentos do filme foi exatamente os momentos e quem ela apareceu, ela sim é o melhor do filme

  8. Gosto é mesmo que nem c*, cada um tem o seu. Mas achar pelo em ovo pra reclamar do excelente (e sim, com puro espírito de entretenimento, muitíssimo bem feito, e dai?) Trapaça, no mesmo blog que andou elegendo como o melhor filme do ano o chatíssimo, mal feito, bobo, amadorístico a ponto de irritar (do tipo você, com uma câmera na sua casa, fazia igual), medonhamente mal interpretado (na tradição mundial do uso de atores não profissionais, ganha-se a naturalidade, mas não nesse caso, tudo parece falso) e letargicamente dirigido Som ao Redor! Ninguém que tenha a menor ideia do que seja cinema pode ficar “incomodado” com o primeiro enquanto acha o segundo excelente. A não ser que tenha uma agenda por trás…
    E os ufanistas tupiniquins ainda tentaram espalhar a fantasia que o filme brasileiro (putz, será que de fato não tínhamos representante muito melhor?!?) tinha chances de indicação!!! Quem já fez cinema profissional olha Trapaça com respeito, mas deve ter reagido com um surpreso “what the f*ck” ao assistir Som ao Redor… rsrsrs

    1. Uma coisa, Bravo, é uma coisa. A outra… Você não deu um argumento pra defender “Trapaça”. Só questionou meu gosto pessoal. Capacidade de articulação zero. E ainda usou o fato de eu gostar de outro filme como fato para desmerecer o que eu escrevi. Tudo errado.

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