Tropa de Elite 2

Eu não sou fã do primeiro Tropa de Elite. Entendo seu pioneirismo no cinema blockbuster nacional, admiro sua força bruta e sua realização técnica, mas não consigo comprar seu discurso. Aliás, o discurso de seu protagonista, que nunca é apresentado como o discurso do filme, mas que pelo fato de ser o único discurso no longa termina assumindo automaticamente essa função. Por mais que haja comparações entre o filme de José Padilha e o cinema policial norte-americano, Dirty Harry principalmente, ainda acho que há um abismo entre os dois. Sempre me pareceu muito fácil convencer uma população acostumada à violência que o certo é mandar bala.

Bem, o início deste texto está velho. Pelo menos três anos atrasado. Mas me pareceu necessário para introduzir meus comentários sobre Tropa de Elite 2, a continuação superior e muito mais complexa do que o original, um filme de que eu gostei bastante. José Padilha e o roteirista Bráulio Mantovani assumiram uma missão perigosa porque cada um dos personagens que sobraram de pé do primeiro filme foi transformado aqui. Alguns radicalmente. E essas mudanças não apenas exigiram um esforço maior dos atores, mas ajudaram a problematizar todas as questões em que o filme toca. E, desta vez, ele metralha geral.

Um grande incômodo no primeiro longa é como ele assume apenas um lado da moeda. Tudo bem, é geralmente o lado que o cinema brasileiro ignora, o da polícia. Mas desromantizar a bandidagem celebrada por nossa cinematografia não diminui o fato de uma questão tão delicada não ter sido relativizada. No segundo filme, numa jogada de mestre do roteiro, as crenças do protagonista não mudam, mas, deslocado de seu ponto vista inicial, ele percebe como as engrenagens funcionam. Não existe nada de brilhante no roteiro do filme – ele, inclusive, é meio didático e às vezes óbvio, mas tudo é tão bem amarrado que é bem difícil não entrar no jogo.

Padilha e Mantovani ampliam a perspectiva, incluindo políticos, atacando impiedosamente a mídia e a corrupção policial no cardápio – e é ousado ao dar nomes aos bois, criando personagens claramente inspirados em pessoas e fatos reais, embora neguem até a morte que tenham feito isso. Isso acontece à mesma medida em que desenham um thriller tão forte quanto o primeiro e que ainda acham espaço para criar um drama familiar belissimamente resolvido numa luta de judô.

O filme ataca por todos os lados, mas é tão direto e tem um discurso tão poderoso que consegue dar conta de praticamente tudo. Com tantas direções a explorar, seria entendível se o filme priorizasse algumas em detrimento de outras, mas o espaço para desenvolver cada braço do roteiro ganha um tempo que se não é exato parece muito. Nesse campo, Tropa de Elite 2 se aproxima de grandes filmes com tramas de espionagem em altos escalões com suas várias histórias simultâneas e personagens em profusão. Ganha de alguns.

Apesar da mudança de tom, Padilha nunca abandona os princípios de seu personagem e atende ao que os espectadores esperam dele numa cena de acerto de contas resolvida no braço, carregada na violência. Sem muitos pudores. Pudores que talvez tenham deixado o filme mais visualmente limpo, o que de maneira alguma parece uma decisão ruim. É muito provável que as acusações de celebração do facismo, inclusive minhas em outras palavras, tenham tido um impacto forte na construção desse roteiro. Embora talvez amarre demais sua mensagem final, embora visite os lugares comuns várias vezes ao longo de sua duração, Tropa de Elite 2 arrisca mais e consegue muito.

Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha½
[Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro, José Padilha, 2010]

Comentários

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7 comentários sobre “Tropa de Elite 2”

  1. Queria só lembrar, que apesar de o filho do Capitão Nascimento aparecer treinando judô a primeiro momento, a segunda vez que ele aparece treinando e dessa vez acompanhado do pai é na verdade uma luta de jiu-jitsu, e ambos os atores foram treinados por Rickson Gracie. filho do criador dessa arte marcial brasileira.

  2. Se tem cena que vale alguma coisa, é a do espancamento do deputado. Catarse pura!

    Enfim, eu gostei demais do filme e já o considero um dos melhores do ano. É um blockbuster com cara de cinema brasileiro, e, como você mesmo diz, Chico, muito superior a outros filmes que tentam embarcar nessas águas.

    Abraço.

  3. Gosto muito da cena do judô. Considero para meu votos, mas o Alfred tem muito mais gente.

    Não lembro da cena de tribunal do Chefão II e concordo que o final amarra demais, mas isso também faz parte de ser um blockbuster.

  4. Já havia rodado três dias aqui atrás desta resenha. Era porque não tinha saído. Mas massa…

    Gostei muito do filme também. Tem a ver já pré-indicar a cena do judô para melhores cenas do ano no Alfred ou exagero?

    Mas há algumas opções do roteiro que eu penso fugir um pouco da realidade. Por exemplo, não acho que o capitão nascimento levasse tão na boa que um comandado seu descumprisse ordens suas.

    E quando começou a CPI, que de alguma forma me lembrou o Poderoso Chefão II (é no II que há uma boa sequencia de tribunal?), esperei vir um grande final. Mas achei que ficou ficcional demais, amarrando tudo de uma maneira um tanto fácil demais, dando alguns finais felizes até demais para a realidade que conhecemos.

    Mas está nos meus melhores filmes do ano até aqui (não vi muitos, infelizmente).

  5. Chico, Capitão Nascimento se tornou o maior mito do cinema brasileiro.

    Gostei quando você deixa um pouco o lado cinéfilo e avalia o filme como profissional de comunicação.

    É isso, parceiro.

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