Um Toque de Pecado

Nas pouco mais de quatro décadas que tem de vida, Jiz Zhang-ke viu seu país, como poucos no mundo, sofrer uma transformação profunda, que mudou não apenas o modo de vida de sua população de milhões, mas a estrutura de uma sociedade. Em seus filmes, seja nos dramas, seja nos documentários, o cineasta registra essa mudança, algumas vezes, elegendo aspectos específicos; outras vezes, capturando o mal estar da China contemporânea, em que as pessoas tentam delinear seus caminhos, de uma maneira mais ampla. Em todos os casos, sendo extremamente delicado no retrato destes personagens.

De certa forma, Um Toque de Pecado parece ser a extensão natural do cinema de Zhang-ke. Depois de mapear a China e os chineses, ele apresenta o resultado da degradação de um país corrupto, em que as pessoas são engolidas pelo sistema, em que o macro devora o micro. E poucos cineastas filmam como este diretor. Neste longa, ele parece elaborar ainda mais seus movimentos de câmera e a maneira como apresenta e devolve seus personagens ao cenário em que eles pertencem. Nem a intenção, nem talento de Zhang-ke estão em questão, mas seus métodos. Se o diretor se propõe a registrar o momento em que o homem foge de si mesmo, a maneira mais correta seria perder sua delicadeza com que sempre trabalhou?

Esse registro do incômodo é incômodo. As quatro histórias de violência, violência extrema, parecem operar sempre num tom a mais, como se o cineasta usasse esse excesso como forma de expressão, de manifesto, e isso, embora haja realmente um prolongamento da temática do cinema de Zhang-ke em Um Toque de Pecado, parece uma solução mais fácil para um cineasta que sempre conseguiu um nível de elaboração de discurso tão refinado quanto autêntico. A proposta de cinema deste autor já não se resolve mais nem nos planos-sequência de O Mundo, nem nas ruínas de Em Busca da Vida. Jia Zhang-ke encontrou uma nova maneira de expressar sua voz, mas que, pelo menos para mim, deixa saudade de outros tempos, menos explícitos, mais intuitivos.

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[Tian Zhu Ding, Jia Zhang-ke, 2013]

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