Lea Seydoux, Louis Garrel, Gregoire Leprince-ringuet

Há uma grande diferença entre ver e olhar. Ver geralmente parece demandar mais inteligência e conteúdo porque mira no resultado. É associado à descoberta, à percepção, tem um começo, um meio e um fim. O ver se resolve, é satisfação garantida. Já o olhar não. O olhar termina meio depreciado, esquecido, incompreendido porque o importante em olhar não é exatamente o objeto, mas o meio do caminho. O olhar está muito mais próximo do movimento, do deslocamento. É a maneira, o modo, enquanto ver é a ação. O que difere Christophe Honoré de seus comparsas no cinema francês é justamente o olhar.

Fazia tempo que não surgia um cineasta com uma visão tão particular do mundo. E o que é tão particular na maneira como Honoré olha para o mundo é que ele rejeita o pessimismo que geralmente vem vinculado ao círculo intelectual. Seus filmes reproduzem o imenso carinho que Honoré parece ter pelas pessoas e pelo mecanismo que as coloca juntas ou separadas. Seus personagens podem ser românticos ou despudorados, estarem no meio de melodramas ou comédias, mas nunca são fáceis ou rasos – e o modo como são conduzidos ao longo das tramas do diretor revela respeito e reverência pelo humano.

Os filmes do diretor têm formatos diferentes, mas parecem todos ajudar a construir o mesmo universo. De certa forma são todos o mesmo filme, depurando a paixão pelo cotidiano e pelas relações humanas que Honoré exala. Os irmãos de Em Paris são opostos complementares na mesma medida em que o trio (ou o dueto final) de Canções de Amor, embora um filme equilibre o melodrama romântico com o humor ácido e o outro seja um musical sem a mínima vergonha de sua amoralidade. Ambos os filmes mostram a leveza e a naturalidade com que Honoré lida com temas sérios.

A Bela Junie, seu novo filme, parece menos ambicioso do que os anteriores, mas é apenas um reflexo da coerência com seu universo principal, o de um grupo de jovens estudantes. Honoré desenha neles os futuros personagens de seus longas adultos. Seus dilemas e paixões surgem mais ingênuos e instintivos, mas não menos insinuantes. Para deixar claro que não saiu de seu terreno, o diretor espalha seus colaboradores pelo filme. Junto com a novata Léa Seydoux está Grégoire Leprince-Ringuet, e em participações menores aparecem Clotilde Hesme, Alice Butaud e até Chiara Mastroianni, em uma cena única, sem uma fala sequer. Parece estar ali apenas para demarcar o território de Honoré.

O personagem de Louis Garrel, que é digamos um coadjuvante principal, é mais uma vez a síntese de como o diretor percebe o mundo. Ele é um professor sedutor, um homem que ama as mulheres, sejam colegas ou alunas. Isso não garante um dilema para o personagem ou para Honoré. A questão não é sequer levantada. O cineasta – e seu alter ego – entendem que as pessoas se movimentam a partir de suas paixões. A mesma lógica vale para todos os personagens. Essa lógica da paixão mantém um romance secreto, provoca uma violenta cena de ciúme, faz alguém partir, faz alguém se despedir. Não cabem questionamentos morais, não há espaço para pudor. Numa época em que pretensos novos Godards surgem aos cachos a cada ano, perceber que Truffaut tem pelo menos um herdeiro de verdade é muito, muito agradável.

A Bela Junie EstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[La Belle Personne, Christophe Honoré, 2008]

Comentários

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18 comentários sobre “A Bela Junie”

  1. Vi o filme agora à tarde, e ele realmente é maravilhoso. Nunca tinha visto nenhum filme de Honoré antes, mas “A bela Junie” me impressionou bastante. Agora, pretendo ver os outros filmes dele aqui indicados. Gostaria também de parabenizar o blog (é a primeira vez que eu o leio), as críticas são muito bem feitas.
    Aproveito ainda para pedir algumas sugestões de filmes (se puderem me enviar um e-mail : snerview@gmail.com). Eu tenho 17 anos e comecei a ver ‘filmes-arte’ em 2008, não tenho experiência quase nenhuma. Alguns que eu vi e gostei: “O silêncio de Lorna”, “Dogville”, “Corra, Lola, Corra”.
    Obrigado pela atenção e parabéns mais uma vez ao blog e seu autor e ao excelente filme.

  2. Ótimo filme. Bela crítica.

    Não conhecia Cristophe Honoré até então. Fico com ganas para ter acesso aos outros filmes aqui citados, que devem ser ótimos.

    E somente para provocar…

    Quanto a rejeitar o pessimismo dos intelectuais… Não haveria em Honoré um pessimismo sim, de fato e de desfecho, porém enrustido na máscara da ingenuidade e na maneira de apresentá-lo?

  3. Enquanto isso, tive de me contentar com um Resnais morno – BEIJO NA BOCA, NÃO!, do festival Varilux.. :/ Mas que bom que o filme já tem data de estréia. Deve chegar por aqui no início de 2009. Até lá, pode ser que eu veja MA MÈRE para ir esquentando…

  4. Pois é, Maurício. Dilema grande.

    Mônica, será que a gente estava na mesma sessão?

    Rodrigo, não sei se é o melhor, mas certamente é o menos ambicioso. Isso sem deixar de ser lindo.

  5. Eu também achei o filme maravilhoso, Chico, talvez até melhor do que o Canções de Amor. Pra mim é o filme mais conciso e regular do Honoré, sem todas aquelas referências dos filmes anteriores, mas ainda assim é um cinema muito forte, cativante mesmo.

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