Entre quatro paredes

Espanglês é, em sua essência, uma comédia. A intenção inicial é fazer rir, motivo banal, mas nem por isso menor. Mas James L. Brooks é um diretor de melodramas. Seu filme mais famoso, Laços de Ternura (1983), virou referência para o que se entende por este gênero. Então, a marca do cineasta torna o filme mais abrangente. Espanglês é, também, um pequeno melodrama. Há modelos clássicos: marido em busca da felicidade, esposa em busca de sentido, filha fora dos padrões estéticos, avó que vive do passado, empregada latina sexy e íntegra. Todos num caldeirão onde a pimenta veio na dose errada.

Primeiro, é meio triste ver a belezura da Paz Vega, tão bem em Lucia e o Sexo (Julio Medem, 2001), recorrendo a todo o histrionismo caricato tão caro às personagens latinas em Hollywood. Italianas, mexicanas, espanholas, brasileiras. Todos são lindas, gostosas e com um ritmo meio acelerado, furiosas. É assim que as moças latinas parecem nos Estados Unidos. O modelo aqui não muda uma vírgula e é este o maior problema do filme, que até consegue costurar bem os pequenos dramas das outras personagens. A que coube a Téa Leoni, por exemplo, tem um tratamento interessante do roteiro, apesar da interpretação da atriz também pender para a histeria.

Como tem um certo talento para explorar o que acontece do lado de dentro das casa, Brooks surpreende com essa ou aquela frase, com algumas brincadeiras no texto, com a pequena (e divertida) participação de Cloris Leachman ou com o tom melancólico de Adam Sandler, que é o mais sóbrio em cena. O que ele não consegue é arrendondar seu filme. A construção parece equivocada desde a abertura, com a narração em off se fazendo lembrar a todo momento, até o encerramento estranho, que parece apenas cumprir a missão imaginária obrigatória de um desfecho.

A Outra Face da Raiva guarda pequenos acertos e muitos desacertos. O clima de pequena história é agradável, mas a vocação anunciada de filme indie se perde em algum lugar. É curioso ver Kevin Costner como um loser tipicamente norte-americano, barrigudo, vivendo de pequenos golpes de marketing apoiado no passado de glórias esportivas. Costner, apesar de suas limitações, se encaixa bem no papel e faz um contraponto interessante com a personagem de Joan Allen, esta sim boa atriz, prejudicada pelo tom excessivo imposto pelo texto para justificar a premissa do filme.

A idéia de elaborar um roteiro a partir de algo como “tudo isso por tão pouco, ou quase nada” é boa, mas o diretor Mike Binder comete alguns erros fatais. O primeiro é criar tantos personagens secundários e não desenvolver nenhum deles. Entre as quatro filhas de Joan estão as ex-revelações Erika Christensen, numa participação tão inexpressiva que me fez querer rever se sua bela performance em Traffic (Steven Soderbergh, 2000) era tão bela assim, e Evan Rachel Wood, de Aos Treze (Catherine Hardwicke, 2003), num papel que se pretende como narrador da história, mas que – assim como em Espanglês – não consegue se solidificar. Talvez seu amigo (e ideal amoroso) seja o mais bem desenvolvido, na intensidade que o tamanho do papel impõe.

Mas o que realmente estraga o filme, que tem um bela trilha de Alexander Desplat e algumas belas canções que eu não consigo achar em lugar nenhum, é a imbecil participação do prório diretor como ator. Seu papel, além de completamente dispensável, é tão arrogantemente espalhado por diversos trechos da trama que não deixa dúvidas de suas intenções exibicionistas. O humor sem graça de sua performance rende apenas um momento realmente bom: o final da cena da sopa.

ESPANGLÊS
Spanglish, Estados Unidos, 2004.
Direção e Roteiro: James L. Brooks.
Elenco: Paz Vega, Adam Sandler, Téa Leoni, Cloris Leachman, Shelbie Bruce, Sarah Steele, Ian Hyland, Victoria Luna, Cecilia Suárez.
Fotografia: John Seale. Direção de Arte: Ida Random. Música: Hans Zimmer (com Trevor Morris e Heitor Pereira). Montagem: Terel Gibson e Richard Marks (com Tia Nolan). Figurinos: Louise Mingenbach. Produção Julie Ansell, James L. Brooks e Richard Sakai. Site Oficial: Espanglês.

A OUTRA FACE DA RAIVA
The Upside of Anger, Estados Unidos/Alemanha/Grã-Bretanha, 2004.
Direção e Roteiro: Mike Binder.
Elenco: Joan Allen, Kevin Costner, Erika Christensen, Evan Rachel Wood, Keri Russell, Alicia Witt, Mike Binder, Tom Harper, Dane Christensen, Danny Webb, Magdalena Manville, Suzanne Bertish.
Fotografia: Richard Greatrex. Direção de Arte: Chris Roope. Música: Alexandre Desplat. Montagem: Steve Edwards e Robin Sales.. Figurinos: Deborah Scott. Produção Jack Binder, Alex Gartner e Sammy Lee. Site Oficial: A Outra Face da Raiva.

rodapé:
UM TIRO NA NOITE , de Brian De Palma.
A genialidade deste filme está por toda parte. Da trilha à metalinguagem da história. Do tom quase cartunesco de Nancy Allen à deslumbrante concepção visual do diretor de fotografia, Vilmos Zsgimond. Brian De Palma, mais que herdeiro de Hitchcock como insistem em enclausurá-lo, é um diretor que ama cinema, que ama suas possibilidades, que ama contar uma história com todos os truques que lhe são permitidos. Um diretor raro.

nas picapes: Lucky Trumble, de Nancy Wilson.

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