O dia em que deus descansou

No dia que deus escolheu para descansar é quando acontecem as tragédias. Tragédias como aquela em que dois irmãos de meia-idade promoveram um massacre numa pequena aldeia espanhola. Carlos Saura, o diretor da quase obra-prima Tango (1998), foi buscar nesta cena a inspiração para seu último filme, O Sétimo Dia. Para tanto, remodelou perfis e passados das personagens envolvidos, reinventou a história, erguida sobre a égide do ódio primata entre duas famílias, que começa com um amor não correspondido.

A falha de Saura é no desenvolvimento. Tanto da história quanto das personagens. Apesar de pontuar o filme com os fatos cronologicamente situados para impor o crescimento do sentimento que move as famílias, não sabe transformar essas situações em momentos catalisadores. Falta acontecer o ódio. Victoria Abril, mais que eficiente, sofre com a falta de cuidado do roteiro com sua personagem, a mais importante para a trama. O texto, correto, é incapaz de provocar envolvimento, de dar credibilidade ao que se vê. Tudo parece acontecer sem muito motivo. E com um mundo de clichês: o personagem maluquinho virou obrigatório em filmes chicanos.

Quando a pequena tragédia familiar acontece, o espectador sente pouco. Ele não se apaixonou pelas personagens, não mergulhou em seu cotidiano de brincadeiras, não acompanhou a relação entre elas. Então, presenciar assassinatos de gente tão próxima perde força porque essa não foi desenhada a intimidade entre quem assiste e quem está na tela. Essa precariedade não parece opção, mas falha mesmo. Saura precisaria de mais duas horas para desenvolver o texto e os agentes. A sensação é de incompletude, de nunca chegar à superfície.

O SÉTIMO DIA
El Séptimo Día, Espanha, 2004.
Direção: Carlos Saura.
Roteiro: Ray Loriga.
Elenco: Juan Diego, José Luis Gómez, José Garcia, Victoria Abril, Yohana Cobo, Eulalia Ramón, Ramón Fontserè, Carlos Hipólito, Oriol Vila, Ana Wagener, Juan Sanz, Elia Galera, Carlos Caniowski.
Fotografia: François Lartigue. Montagem: Julia Juaniz. Direção de Arte: Rafael Palmero. Música: Roque Baños. Figurinos: María José Iglesias. Produção: Andrés Vicente Gómez. Site Oficial:

rodapé: O Grande Prêmio do Cinema Brasileiro anunciou os indicados ontem. O melhor filme de ficção do ano, Filme de Amor, de Júlio Bressane, não está indicado na categoria principal – e em nenhuma outra!!! Outra omissão lastimável é a de Silvia Lourenço, de Contra Todos, entre as atrizes coadjuvantes. Há algo a se comemorar: o belo número de indicações de Narradores de Javé e a ausência de Olga entre os filmes do ano. Para ajudar na escolha dos acadêmicos brasileiros, que tal dar seu voto? É só desbloquear o pop-up que abre assim que essa página é acessada.

nas picapes: Made of Stone, The Stone Roses.

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