Enumerar o melhor é uma experiência bastante pessoal. As opiniões dependem de experiências pessoais, que vão desde o gosto do indivíduo até os pilares de sua formação. Em arte, enumerar é mais particular ainda já que o contato é completamente subjetivo. Dar uma nota para um filme é bem questionável, mas também é muito divertido. Eu sou obcecado por listas. Mas, em Gosto dos Outros, eu repasso essa responsabilidade para os amigos. Há tempos, venho querendo organizar essa seção que vai e volta no meu blogue. O recomeço é agora, com as opiniões do Peerre, dono de um belo blogue sobre cinema.

Gosto dos Outros: Peerre

1 Badaladas à Meia-Noite (Chimes at Midnight, 1965), de Orson Welles.

O Poder, incontornável, sempre presente, mas também efêmero. O fim dos tempos de inocência para o jovem Henrique, frente ao futuro como novo rei da Inglaterra. O passado, de Falstaff e dos doces pilantras, que precisa cair no esquecimento até se transformar em sombra fantasmagórica.

2 A Mocidade de Lincoln (Young Mr. Lincoln, 1939), de John Ford.

A civilização que nasce, a América que se impõe como país da oportunidade. A Lei, encarnada pelo jovem Lincoln, quando este ainda não era um mito, mas que Ford se encarrega de transformar em lenda. O paradigma dos heróis fordianos, que sempre se posicionam, como o país idealizado pelo cineasta, ao lado dos fracos e dos oprimidos.

3 Era Uma Vez em Tóquio (Tokyo Monogatari, 1953), de Yasujiro Ozu.

O casal de idosos que caminha em direção à morte. A modernidade que chega ao Japão e abala o relacionamento dos filhos com os pais. A transformação não enquanto exceção, mas como regra necessária. A pequeneza do homem em relação ao Tempo e à Morte, mas também a grandeza de todos os momentos considerados apenas banais.

4 A Regra do Jogo (La Règle du Jeu, 1939), de Jean Renoir.

Quem foge à regra do jogo, em que interações entre classes são permitidas apenas na troca de fluidos corporais? Atualizando as óperas bufas e a literatura iluminista do século XVII, Renoir desvenda e corrói o carrossel de hipocrisia e de máscaras que estrutura nossa sociedade.

5 Barry Lyndon (Barry Lyndon, 1975), de Stanley Kubrick.

Kubrick re-inventa a imagem do século XVII e do próprio cinema, ao realizar um filme-pretérito, em que a ação vista não tem presente nem futuro, apenas passado. Narrativa que re-inventa o Tempo, que re-inventa a figura do narrador. Na aparência fria, pulsa tanto amor e paixão quanto nos melhores Ophüls, a quem Kubrick homenageia na saga de Redmond Barry.

6 Conflitos de Amor (La Ronde, 1950), de Max Ophüls.

Ophüls radicaliza o carrossel de Renoir, e o materializa na tela, como companhia do narrador-voyeur, o próprio público a quem o filme se exibe. Controle social, hierarquia, crueldade, fragilidade: a Viena de 1900, fim da Belle Epoque, é o laboratório que dará origem à sociedade contemporânea, em que tudo se move, mas permanece no lugar. Em meio à desesperança, o beijo do príncipe na prostituta, sombra de alguém que ele conheceu no passado, redime a todos com ternura incomparável.

7 Playtime, Tempo de Diversão (Playtime, 1967), de Jacques Tati.

O carrossel reaparece, nos intermináveis engarrafamentos da cidade de Playtime, que, na verdade, é Paris. Mr. Hulot, perdido num caos absolutamente programado, em ambientes que primam pela semelhança e pelo ridículo. Hulot, vírus que contamina e que se multiplica, destruindo a Ordem e instaurando a graça, a beleza e o sentimento.

8 O Leopardo (Il Gattopardo, 1963), de Luchino Visconti.

A morte de uma era, de uma sociedade, de um conceito de homem para o nascimento de uma nova estrutura social / política / econômica, que troca a classe dominante para, no entanto, manter as classes dominadas. Mudar para permanecer. Assistindo a tudo, impotente, está o príncipe Salina: entre o nobre e o patético, resta-lhe esperar pelo fim com o mínimo de dignidade.

9 Aurora (Sunrise, 1927), de F. W. Murnau.

Antes de tudo, uma belíssima história de amor. No mais, comentário exuberante, de verdadeira poesia visual, das mudanças trazidas pelo século XX nas relações afetivas ? a velocidade absurda, os choques sensoriais, a instantaneidade ?, bem como da necessidade por restabelecer, com o Outro e com o mundo, a fé abalada pela era moderna.

10 Hitler, Um Filme da Alemanha (Hitler, Ein Film Aus Deutschland, 1978), de Hans-Jürgen Syberberg.

Hitler humano, Hitler histórico? Para Syberberg, vale o Hitler simbólico e, por conseguinte, político. Mais do que um louco assassino, também um reflexo negativo da racionalidade ocidental que se forma desde o Renascimento. Hitler, que está na Alemanha, na Europa, no Ocidente e em cada um de nós: o ideal fracassado da República Romana que propicia o surgimento da Roma Imperial.



microentrevista

Como começou seu interesse por cinema?
Nos corujões da Globo, final dos anos 80.

O que te leva a escrever sobre filmes?
Paixão. É uma forma de expressar o que sinto através do cinema.

Excetuando-se Syberberg, mais conhecido nos meios universitários, sua lista é composta por grandes nomes. Há algum “gênio incompreendido” que você admire?
Admiro cineastas da Hollywood dos anos 30, 40 e 50, como William Wellman, Anthony Mann, Vincente Minnelli. Às vezes eles não são levados a sério como deveriam.

Qual o pior filme do mundo?
Páreo duro. O último do Lukas Moodysson, Um Vazio em Meu Coração, além de ruim, é nojento, então meu voto atualmente vai para ele.

Você sofreu por ter que deixar algum filme de fora da lista?
Sim, deixei pelo menos outros 10 filmes de fora, que adoro, como Europa 51, Duas Garotas Românticas, Era Uma Vez na América, 2001, Rastros de Ódio, Week-End, etc.

créditos

Paulo Ricardo de Almeida, dito Peerre, 24 anos, mora no Rio de Janeiro, escreve sobre cinema na revista eletrônica Contracampo e no blogue Los Olvidados. Publicitário de formação, estuda cinema e pretende, em breve, realizar seu próprio filme.

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