O MONSTRO, O SAGRADO E O CINEMA
Num pacote só, Tim Burton homenageia Bela Lugosi e o “pior cineasta do mundo”
Bela Lugosi era um ator muito ruim; um poço de caricatura. Mas existia algo de mágico no húngaro expatriado. Algo de encantador e de horripilantemente macabro que fez sua interpretação em Drácula (e nas peças teatrais na qual o filme se baseou) deixar platéias em pânico e mulheres desmaiadas. Lugosi tinha punch. Sua mão estendida hipnotizava e provocava calafrios. Drácula, de Tod Browning, somente deu certo justamente por essa mistura entre a canastrice do ator e seu carisma incontestável. O filme sofre do mal dos diretores de talento mediano nos primeiros anos do cinema falado: a falta de habilidade com a palavra. Por isso, várias seqüências do longa não têm falas.
O talento de Browning não era exatamente farto. O culpado pela competência visual do filme era de outra pessoa: a história, que respeita a estrutura do romance de Bram Stoker, é valorizada pelo grande trabalho de câmera de Karl Freund, um dos maiores diretores de fotografia da época. Com movimentos de câmera, uso de trilhos e uma preocupação grande com o uso da luz, ele conseguiu dar a dimensão do pavor provocado pelo mundo de escuridão do personagem. Neste ambiente perfeito, Lugosi elaborou o personagem que fez por anos nos palcos da Broadway, o conde vampiro sedutor que o transformou em astro. Mas a decadência chegou aos poucos para o ator, que acabou a carreira fazendo filmes menores, como os de um jovem e empolgado cineasta.
Ao contrário de Lugosi, que conheceu os holofotes, triste foi a sina a de Edward D. Wood Jr. Ficou famoso porque era ruim, muito ruim, no que escolheu para fazer, no escolheu para ser. Seus filmes, com grande carga dramática embutida, transformavam-se em involuntárias comédias por causa dos absurdos que o cineasta permitia em seus roteiros e na sua forma de dirigir. Tudo reforçado pela absoluta falta de recursos. Wood, redescoberto depois de elegerem Plano 9 do Espaço Sideral como o pior filme da história, ganhou status cult porque passou a ser classificado com um cineasta de intenções, um homem apaixonado pelo seu trabalho, apesar de desprovido do talento para executá-lo.
Seu filme mais famoso é pior do que se possa imaginar. Além de ser um ineficaz resultado da simbiose entre filme de vampiros e ficção-científica, é costurado com retalhos de tudo o que Wood conseguia reunir: de restos de filmes a tomadas particulares de astros de outrora feitas para outros fins. O resultado supera os limites do tosco e consegue apenas provocar os efeitos contrários aos pretendidos pelo diretor. A redescoberta de suas obras rendeu fãs e a recuperação de boa parte de sua filmografia, da qual Plano 9 do Espaço Sideral é a obra máxima. Um filme absolutamente ruim.
A homenagem que Tim Burton fez à paixão de Wood deu muito mais certo que os filmes do homenageado. O diretor mais fantástico da Hollywood atual fez seu filme mais pé-no-chão. Ed Wood é um dos mais belos filmes feito sobre o cinema, apesar da particularmente caricata interpretação de Johnny Depp (o que não significa que seja uma má interpretação), Burton trata a história com tanto carinho que é impossível não se identificar com a tentativa ingênua do personagem principal em superar as próprias limitações e tentar completar um filme. Sua obstinação o fez completar vários, entre trabalhos feitos para televisão e investidas longas e curtas no cinema.
Mas a dedicação e a competência de todos os envolvidos no filme de Burton são eclipsadas pelo talento de Martin Landau. O ator consegue dar a densidade necessária à interpretação de Bela Lugosi de tal forma, que rouba todo o filme. Em momentos antológicos, Landau chega perto de arrancar lágrimas da platéia pelo tratamento impecável que dá ao personagem. Na cena em que se joga na água para fazer um polvo mecânico quebrado se mover ou quando vemos as marcas do vício em seu braço, Landau conquista por humanizar a figura de Lugosi sem recorrer a fórmulas fáceis que fizeram a fama de seu homenageado.
DRÁCULA
Dracula, Estados Unidos, 1931.
Direção: Tod Browning.
Roteiro: Garrett Fort, baseado na peça de John L. Balderston e Hamilton Deane, a partir do romance de Bram Stoker. Com diálogos adicionais de Louis Bromfield, Tod Browning Max Cohen, Dudley Murphy, e Louis Stevens.
Elenco: Bela Lugosi, Helen Chandler, David Manners, Dwight Frye, Edward Van Sloan, Herbert Bunston, Frances Dade, Joan Standing, Charles K. Gerrard, Tod Browning (voz), Michael Visaroff.
Fotografia: Karl Freund. Montagem: Milton Carruth. Direção de Arte: John Hoffman e Herman Rosse. Música: Philip Glass (composta para a restauração do filme em 1999). Figurinos: Ed Ware e Vera West. Produção: Tod Browning e Carl Laemmle Jr..
PLANO 9 DO ESPAÇO SIDERAL
Plan 9 from Outer Space, Estados Unidos, 1959.
Direção, Montagem, Produção e Roteiro: Edward D. Wood Jr.
Elenco: Gregory Walcott, Mona McKinnon, Duke Moore, Tom Keene, Carl Anthony, Paul Marco, Tor Johnson, Dudley Manlove, Joanna Lee, John Breckinridge, Lyle Talbot, Conrad Brooks, Vampira, Bela Lugosi, Criswell e Edward D. Wood Jr.
Fotografia: William C. Thompson. Música: Edward D. Wood Jr., Trevor Duncan, Van Phillips, Franz Mahl, Wolf Droyson. Figurinos: Dick Chaney. Efeitos Visuais: Tommy Kemp.
ED WOOD
Ed Wood, Estados Unidos, 1994.
Direção: Tim Burton.
Roteiro: Scott Alexandere Larry Karaszewski, baseados no livro Nightmare of Ecstasy, de Rudolph Grey.
Elenco: Johnny Depp, Martin Landau, Sarah Jessica Parker, Patricia Arquette, Bill Murray, Jeffrey Jones, Lisa Marie, G.D. Spradlin, Vincent D’Onofrio, Mike Starr, Max Casella, Brent Hinkley, George ‘The Animal’ Steele, Juliet Landau.
Fotografia: Stefan Czapsky. Montagem: Chris Lebenzon. Direção de Arte: Tom Duffield. Música: Howard Shore. Figurinos: Colleen Atwood. Produção: Tim Burton e Denise Di Novi.
nas picapes: Bela Lugosi is Dead, Bauhaus.