Drácula de Bram Stoker

Há dezenas de imagens em Drácula de Bram Stoker que não duram mais de dois ou três segundos. Essas imagens tão curtas, por pouco não subliminares, estão espalhadas ao longo do filme, entrecortando cenas que poderiam existir sem elas mas que, com elas, ganham novos sentidos e significados extras. Algumas servem para ilustrar diálogos – reafirmando uma das premissas do projeto, nunca esconder uma imagem – enquanto outras introduzem informações que ajudam o espectador a compreender novos detalhes do filme mais complexo de Francis Ford Coppola, uma das mais bonitas, dolorosas e espetaculares histórias de amor que o cinema já viu.

Ao mesmo tempo que assume o cinema como o exercício do truque, utilizando, numa proporção megalomaníaca, fusões, sobreposições, recortes, chroma keys e truncagens das mais variadas, o diretor também não tem limites dramatúrgicos e cênicos para remodelar a história criada por Bram Stoker, sempre trabalhando no limite do excesso, o que deixa o filme num estado de perpétua agonia, como se materializasse a urgência de Drácula em encontrar Mina. Gary Oldman, na melhor interpretação de sua vida, incorpora esse espírito e devora absolutamente todas as cenas. Está gigantesco e violentamente sexual, justamente como Coppola planejou.

Sexo, por sinal, é uma das forças motoras do filme. O vampirismo, afirma o diretor, nada mais é do que o exercício de um ato sexual – voraz, imediato. A luxúria movimenta as personagens, aparece escancarada na ostentação da direção de arte e nos figurinos luxuosos; está representada numa fotografia de cores fortes e imagens falsas que invadem deliberadamente outras imagens; na montagem que, combinada à música, nos oferece sequências suculentas de cenas. De um lado, a Lucy de Sadie Frost exerce o sexo como arma de vida e é punida por isso, sem deixar de ser uma mocinha em apuros. Do outro, as noivas de Drácula, Monica Bellucci incluída, têm a fome de sexo controlada pelo vampiro.

Coppola usa um arsenal de referências ao cinema de terror que estranhamente funciona apesar do tom a mais, enquanto cria uma impecável reconstituição de época, saudando o cinema e a tecnologia. Para o cineasta, ciência e magia explicam e justificam esta história na mesma medida. Ele não tem qualquer pudor em misturá-las como forma de traduzir uma época de transformação profunda da Europa, que entrava na Revolução Industrial. É reverente e ao mesmo tempo em que é cínico, principalmente no discurso do Van Helsing de Anthony Hopkins, colossal, que ora respeita e alimenta, ora desmonta o lado místico da trama.

O que nunca muda é o tom onírico que o diretor impõe ao conjunto, onde Winona Ryder, no auge de seu talento, é a princesa prometida, seduzida por um herói vilão. São muitos conceitos em um só. É amor bruto e cinema sofisticado. Bram Stoker que nos perdoe, mas este filme deveria se chamar Drácula de Francis Ford Coppola.

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[Bram Stoker’s Dracula, Francis Ford Coppola, 1992]

Comentários

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6 comentários sobre “Drácula de Bram Stoker”

  1. Eu amei esse filme,eu era adolescente,e já assisti inúmeras vezes,tenho gravado e sou fã do Gary Oldman,que concordando com vc ,está excelente no filme,enfim,concordo com vc em tudo!

  2. Este é um filme extraordinário… Um grande filme, grande elenco e talento incrível do Coppola e que mesmo retratando tão marcantemente o livro de Bran Stoker consegue estar muito afrente de seu tempo… Realmente este filme marcou minha infância/adolescência e quando o revejo continuo me encantando com tudo, desde a fotografia, até detalhes dos diálogos e figurinos…

  3. O autor do texto esqueceu de comentar a linda trilha composta pelo já falecido Wojciech Kilar, destaque para Mina’s Photo.

  4. Que bela lembrança! Um filmaço, assisti várias vezes, um filme que me marcou demais (era bem adolescente quando o vi na primeira vez), inclusive pela reconstituição de época ousada e recheada de referências, especialmente o início acachapante e as inesquecíveis cenas no castelo do Drácula. Até o pôster original desse filme era fantástico.

  5. Acabei de ver pela quinta vez – e primeira na telona. Fantástico! Adorei o texto e concordo especialmente com a sentença final 😉

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