Aliança do Crime
[Black Mass, Scott Cooper, 2015]
Aliança do Crime é tão artificial quanto a maquiagem incômoda que Johnny Depp carrega durante todo o filme. Falta a Scott Cooper a grandiosidade que um Coppola consegue emprestar a sua obra ou a intimidade com que Scorsese investiga os laços entre os mafiosos. Depois de mais de duas horas de filme, a impressão que fica é que Cooper nunca consegue entrar realmente naquele universo nem criar uma cena marcante mesmo disposto a contar uma história tão rica e cheia de nuances quanto a de James “Whitey” Bulger. A fotografia, levemente azulada, parece emular um terceiro cineasta, Michael Mann, um ideólogo da imagem, mas neste filme não há justamente uma imagem sequer que permaneça na memória por muito tempo. A interpretação elogiada de Depp parece bem ordinária se comparada a um repertório de atores que já fizeram grandes criminosos e o restante do elenco segue essa mesma lógica. O ator mimetiza trejeitos de dezenas de outras grandes personagens e o roteiro não ajuda a levantar a bola para que ele possa utilizar seu tiques psicóticos que funcionaram tão bem em Sweeney Todd. Joel Edgerton, geralmente um ator bom, está em overacting desde a primeira cena em que aparece. A distribuição de papéis complementares para atores bastante conhecidos, como Benedict Cumberbatch, Kevin Bacon, Dakota Johnson e Juno Temple parece ser uma estratégia para atrair mais atenção e publicidade, mas nenhum deles ganha profundidade e, muito menos, relevância na trama. Peter Sarsgaard, que tem um dos papéis mais interessantes, aparece pouco e não tem uma chance real de mostrar que veio. Não há cenas de ação que fujam do básico e a trilha ostensiva e excessiva de Tom Holkenborg tenta preencher todas as lacunas que o filme deixa, mas não consegue. Os créditos finais, em vez de curiosidade, geram mais alívio.
A Bruxa
[The Witch, Robert Eggers, 2015]
A Bruxa talvez assuste menos do que deveria, mas o horror que o diretor Robert Eggers procura é outro. Embora o fantástico, o místico, o sobrenatural assombrem as personagens do filme de maneira muito concreta, o terror maior do longa de Eggers é o provocado pelo homem. A história se passa em 1630, na Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, um lugar tomado à força de seus verdadeiros moradores, que tiveram suas terras e seus deuses roubados em troca da truculência de uma cultura e de uma religião que elegem demônios diante do menor motivo. O horror de A Bruxa é o horror de apontar culpados, de ignorar laços familiares, de ignorar o amor em prol de uma fé cega. A família de William é expulsa de uma cidade por questões religiosas, muda-se para um campo ao lado de uma floresta e, num piscar de olhos, o caçula da família, o bebê Sam, desaparece enquanto brincava com a irmã mais velha, Thomasin. Diante de uma situação sem explicação, o luto da família é trocado, literalmente, por uma caça às bruxas, onde sussurros e brincadeiras podem ser mal interpretados. A formação de Eggers é como diretor de arte, então, existe uma preocupação clínica com a reconstituição de época, o desenho de produção, os figurinos e a plástica do filme como um todo, que é impecável, embora resulte num excesso de solenidade e numa frigidez que só é quebrada pelas interpretações. Anya Taylor-Joy e, sobretudo, Harvey Scrimshaw são excelentes. A expressão Katie Dickie, revelada em Game of Thrones, e a voz de trovão de Ralph Ineson ajudam a manter a atmosfera de incertezas. Se o filme não dá os sustos que poderia, aterroriza pela maneira que mostra o ser humano.
Bridgend
[Bridgend, Jeppe Rønde, 2015]
Mesmo que não seja exatamente um grande filme, Bridgend foi uma das grandes surpresas desta edição da Mostra de Cinema de São Paulo. O diretor, um dinamarquês, atravessou o Canal da Mancha e cruzou a Inglaterra para pesquisar o mistério dos jovens suicidas na cidade que batiza o filme, no País de Gales. Jeppe Rønde mostra muito talento em construir uma atmosfera quase sensorial de opressão psicológica para o filme, buscando compreender qual é a herança maldita que assombra aqueles adolescentes. A fotografia tem elementos fantasmagóricos, jogando muito com a luz ou a falta dela e criando quadros de excepcional beleza que também têm a função mostrar que aqueles meninos praticamente vivem numa dimensão à parte da realidade que os cerca, quase se como criassem uma nova velha civilização. A utilização da trilha sonora, cheia de interferências e esquisitices, para estabelecer o suspense empresta ao longa um componente místico, que Rønde usa para aproximar o comportamento do grupo de adolescentes aos rituais de uma seita, o que deixa os efeitos dessas escolhas ainda mais interessantes.
Três Lembranças das Minha Juventude
[Trois Souvenirs de ma Jeunesse, Arnaud Desplechin, 2015]
Arnaud Desplechin arranja as memórias de seu protagonista como melhor lhe convém, transformando a estrutura irregular de Três Lembranças da Minha Juventude numa experiência íntima e muito genuína, bem próxima à maneira com a qual organizamos os tópicos de nossa história. Isso dá um conforto grande em relação ao filme, um inventários de impressões e efeitos com momentos de algum lirismo truffautiano. Mathieu Amalric, em sua sexta, salvo engano, colaboração com o diretor, interpreta um homem que tenta voltar à França, é barrado na imigração e olha para três momentos de seu passado, que ganham tamanho de acordo com a importância que o cineasta dá a cada uma, mesmo que elas não sejam fundamentais para explicar a situação inicial do filme. Há um punhado de lugares comuns que Desplechin martela e que não deixam o filme ser tão brilhante quanto Reis e Rainha ou Um Conto de Natal, mas essas cenas ajudam a dar essa textura falível, tão humana, ao longa. Os jovens atores são todos bons, especialmente o protagonista, Quentin Dolmaire, e “seu grande amor”, Lou Roy-Lecollinet, ambos estreantes no cinema, mas a cena mais memorável de Três Lembranças da Minha Juventude não tem seu protagonista ou seus coadjuvantes principais. É quando a irmã do jovem Paul, uma espécie de Dakota Fanning francesa, num momento que nada acrescenta à história, mas que tudo significa para a memória da personagem, chega para o pai e pergunta: “pai, por que eu sou feia?”. E ele responde: “você não é feia, mas seus irmãos ocupam espaço demais”. Esta variação de foco absolutamente desnecessária lembra os grande momentos do cinema de Desplechin, em que ele tira o óbvio do foco e aposta na periferia. Mesmo sem esse lampejos de genialidade, o novo filme do cineasta ainda bem à frente da atual produção francesa que chega ao nosso circuito “de arte”.
O Verão de Sangaile
[Sangailé, Alanté Kavaïté, 2015]
Uma das preocupações principais deste segundo longa da lituana Alanté Kavaïté é que cada imagem tenha embutida uma grande carga poética. Ela explora ao máximo os belos cenários do condado de Vilnius, sua terra natal, e faz várias composições com a de imagens jogando com a luz natural. Isso funciona até certo ponto, mas peca pelo excesso, que não esconde os maneirismos do filme, uma espécie de história de amor de verão entre duas adolescentes: a Sangailè do título, uma jovem retraída, com uma relação de amor e ódio com a mãe, uma ex-bailarina, e Auste, uma promessa de estilista/fotógrafa/decoradora que transborda simpatia e criatividade. Auste surge na história de Sangailè como a intrusa que quer se aproximar, quebrando o mundinho reservado em que vive a protagonista. Mas, de corpo estranho, ela rapidamente se torna a personagem mais interessante do filme, muito mais sólida do que a dona do papel principal, versão pálida de tantas outras com o mesmo perfil. O encontro entre as duas serve para dar novo fôlego para a protagonista dentro e fora da roteiro, mas, por mais que seja cuidadosa com a composição visual do filme, Alanté Kavaïté nunca consegue tornar verdadeiramente interessante ou original a história que está contando.
Você já pensou em parar de ver filmes? Talvez te fizesse bem. Nada te agrada, nada te empolga…
Dá uma olhada nos posts abaixo, tem muitos de que gostei muito. Mas no geral estou esperando a média melhorar. Sou paciente.