Faz tempo que eu não via o meio do caminho ser tão bem filmado. Jorane Castro acerta em cheio nas decisões sobre para onde apontar e como movimentar sua câmera em Para Ter Onde Ir. Captura a natureza e a natureza de suas personagens e, em vários momentos, parece filmar não necessariamente um corpo ou um objeto, mas o movimento, o que é uma métafora poderosa para um filme supostamente simples, mas que tenta dar conta do feminino. As imagens que consegue a partir deste seu mecanismo são belíssimas, do concreto ao abstrato. Nestes instantes, a diretora filia seu filme aos novos cinemas do mundo ao mesmo tempo em que não abre mão de seguir uma jornada completamente íntima.
As três mulheres que acompanhamos nos convidam a debater grandes temas, mas todos aplicados a uma prática quase trivial. As discussões sobre maternidade, solidão, liberdade sexual, amor, individualidade não acontecem em grandes tópicos e com grandes discursos, mas totalmente associadas ao cotidiano. Jorane revela muita maturidade para uma cineasta em seu primeiro trabalho longo e o principal sinal disso é evitar o pitoresco.
Seu filme é uma viagem interior e uma viagem ao interior de seu estado, o Pará, e a tentação de se acomodar ao “exótico” seria lógica e até válida. Mas, mesmo tendo o universo do tecnobrega como um de seus cenários, Jorane o utiliza apenas como suporte para ampliar o debate sobre a mulher paraense (sobre a mulher brasileira, sobre a mulher). Aproveita o popular, mas não se rende a um cinema uníssono. É povo, é luta e é discussão. E todas estas camadas ganham texturas para que, saindo da sessão, continuemos pensando no que acabamos de ver na tela.
Para Ter Onde Ir
Para Ter Onde Ir, Jorane Castro, 2016