“Sua sentença é o exílio”, anuncia o juiz a Orélie-Antoine de Tounens, auto-proclamado rei da Araucanía e da Patagônia. A condenação deveria devolver o aventureiro a sua terra natal, a França, mas para o diretor Niles Atallah o exílio de Tounens foi para um estado de suspensão de realidade, de delírio, que é onde ele situa “Rey”, ficção histórica e pictórica sobre a fundação de uma utopia e sobre o massacre de povos indígenas no Chile. Esse estado de delírio garante a liberdade necessária para que o cineasta abrace as mais variadas paletas de intervenções visuais e ressalte o que esta história tem de fora de comum, de fantástico, evocando e retrabalhando um imaginário iconográfico dos povos nativos latino-americanos.
Na página oficial do diretor californiano, é possível encontrar links para seus mais variados trabalhos audiovisuais, incluindo filmes, fotografias, instalações e o que ele chama de experimentos. Radicado no Chile, esse seu segundo longa, é um achado, uma obra muito particular sobretudo se comparada ao cinema que se produz hoje em dia na América Latina. A partir dos relatos, que tem muitos elementos desconhecidos e até algumas lendas, sobre o francês que teria virado rei da Patagônia, Atallah desenvolve um filme que se orgulha e ressalta a ficção e a história.
De um lado, elogia a ficção com um trabalho excepcional de texturas, sobreposições e intervenções de imagens e sons, que lembra um pouco o que Guy Maddin faz em em seus filmes, especialmente em O Quarto Proibido. Do outro, Atallah manipula a história como um eco fantasmagórico do passado do país ou da própria América Latina que enxerga os povos indígenas como seres da floresta e mascara as intenções de quem escreve os livros.
Por ter um formato e uma linguagem que exigem mais de quem assiste ao filme, Rey não é uma experiência simples porque não oferece um respostas simples. É um convite à decodificação. O fato é que este é um filme não acaba no fim. Seus experimentos visuais e sonoros ressoam nos olhos e ouvidos do espectador durante algum tempo. Se, em algum momento, as intervenções do cineasta poderiam parecer que terminavam em si mesmas, o tempo as deixa na condição de plataforma ideal para contar a trajetória de um personagem sem verdades absolutas, muito perto da lenda, muito perto da História.
Rey ½
Rey, Niles Atallah, 2017