Simplesmente Feliz

À primeira vista, Simplesmente Feliz pode parecer um objeto estranho à filmografia de Mike Leigh, o mais trise dos cineastas britânicos. Mas a personagem sunshine criada por Sally Hawkins, injustamente ingorada na lista do Oscar deste ano, mora na mesma Londres fria, seca e melancólica de Segredos em Mentiras ou Agora ou Nunca. O que a diferencia dos tipos criados por Brenda Blethyn ou Timothy Spall é que sua Poppy é uma rebelde, mesmo que sem se dar muito conta disso. Ao contrário dos outros moradores da cidade, a professora primária nunca se deixa subjugar pela frieza que encontra nas pessoas ou pelo pessimismo que impera nas ruas.

Poppy é feliz. Assim, fácil. É uma mulher que não sabe negar sua natureza, que não se deixa vencer pelo modelo que esperam que ela siga. É uma revolucionária na mesma medida que os personagens que costumam garantir Oscars de melhor atriz. Mas como essa sua revolução ganha a forma de bom humor, simpatia e gentileza, a solidão e o confinamento de Poppy não parecem tão óbvios. É difícil perceber que ela é um soldado tentando mudar o mundo, pelo menos o mundo em sua volta. Como Poppy não faz barulho, sua postura não parece guardar nada de especial. É uma incompreendida em seu inconformismo.

Mike Leigh testa sua personagem o tempo inteiro, desde a cena pós-créditos de abertura, na livraria, até o ápice do filme, um duelo fortíssimo com o instrutor de direção, interpretado por um inspirado Eddie Marsan. É o único momento em que o mundo de Poppy realmente parece abalado. Mas a protagonista conta com uma aliada nessa batalha, a performance de Sally Hawkins. A atriz, discreta, sabe dar a densidade necessária para uma personagem que é só sorrisos e boas intenções. Sem Sally dificilmente seria possível acreditar em Poppy. Ainda bem que ela nos deu esse presente.

Simplesmente Feliz EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Happy-Go-Lucky, Mike Leigh, 2008]

Comentários

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9 comentários sobre “Simplesmente Feliz”

  1. Eu creio que a idéia do Diretor foi realmente mostrar uma felicidade irritante da protagonista, para que, ao longo do filme, ela fosse cativando o espectador, para que ela fosse compreendida.

    Não sei, mas pra mim acho que o filme não consegue explicá-la e termina quando parece que vai! Saí frustrado.

  2. A atriz é boa, mas a personagem é irritante. Nada contra a alegria, Só que que a alegria dela é meio forçada. Cada frase praticamente termina com um esboço de riso.

    É tão constrangedor, que fico imaginando o namorado no restaurante aguentando aquela conversa dela 100% oca. Não é aquele besteirol ferino e engraçado que brasileiro adora, é simplesmente bobeirol constrangedor e ingenuo, que ele acaba embarcando.

    “Ih, você é alto, sente frio aí em cima?”
    “Você fica melhor na minha altura!”
    “Ih, e o outro olho?”
    “Comprei meu olho no mercado”

    Ela quer impor para os outros que sejam felizes, como se fosse um crente tentando passar Jesus.

    Me acho que sou um cara feliz e bem-humorado. Mas se a felicidade for daquela personagem, socorro! Quase prefiro ser triste, do que aquela alegria que precisa estar todo minuto provando para o mundo e ainda tentando converter todos os incautos que a rodeiam.

    Há horas, que se quer conversar de verdade, com leveza, mas sem que o outro transforme tudo em piada e não consiga emitir uma opinião interessante. É quase uma forma de nunca se expor, porque tudo vira jogo de palavras e um esgar de riso.

    Tem uma cenas legais: a cena com o mendigo, apesar de meio bizarra e revelando um incrível ingenuidade da
    personagem. A cena da briga do instrutor com a feliz, a aula de Flamenco.

    Mas o que prevalece no filme é a chatice e, portanto, o tamanho do filme.

    No final, o alívio de saber que você não tem uma mala dessas do seu lado!
    Quero ver alguém aguentar uma pessoas dessas anos e anos a seu lado.

    “- Meu carro foi roubado!”
    “- Posso ver na minha bola de cristal: alguém andando de ônibus”
    “- Pô, é sério, vou na polícia dar parte”
    “- Cuidado, para não te pegarem”

  3. Quero dizer que o Chico foi muito feliz nas observações que fez do filme, realmente a cena da livraria é fluida e densa ao mesmo tempo.
    Grata,
    Thalya Isabelle Lylen

  4. Ela é otimista. Contagia mesmo. Mesmo quando ela brica com o Eddie Marsan no final. O que eu gosto demais na Sally Hawkins é que ela consegue fazer a gente entender que é difícil pra cacete seguir essa corrente da leveza. Alegria. Suavidade. E ela nunca desiste. Mesmo quando é sacudida. Agredida. Ela é assim. Por trás de tanta doçura, existe uma compreensão muito bonita de que a felicidade é uma opção. E para optar, ela precisa ter uma noção muito triste de como é o mundo.

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