Provavelmente não existe um cinema brasileiro mais interessante do que o produzido atualmente em Pernambuco. Subvertendo a tradição de encarar o Nordeste como a zona rural do país, os diretores contam histórias urbanas de pessoas que povoam a metrópole e vivem os dramas da cidade grande. Os personagens dos filmes pernambucanos cada vez mais fogem do estereótipo de “gente simples”, imposto para aqueles que vivem acima do Espírito Santo. Eles refletem a complexidade da quinta maior região metropolitana do Brasil e conversam com questões que aparecem no cinema feito mundo afora.
Três grandes filmes vindos de Pernambuco passaram pelos festivais de cinema brasileiros neste ano: O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, Boa Sorte, Meu Amor, de Daniel Aragão, e Era Uma Vez Eu, Verônica, de Marcelo Gomes. Todos, em maior ou menor grau, são exemplo de um cinema autoral interessado em registrar o incômodo do personagem urbano, que ao mesmo tempo que lida com questões universais, mantém uma ligação forte com sua ancestralidade e se vê como parte integrante de uma massa com cultura bem definida.
Nesse contexto, o filme de Marcelo Gomes é o mais simples dos três, sem recorrer à estrutura ousada do longa de Aragão ou sem o formato de mosaico do belo trabalho de Mendonça Filho. “Era Uma Vez Eu, Verônica” apresenta a vida da médica que batiza o filme, papel da ótima Hermila Guedes, uma jovem que começa a vida profissional, uma mulher com dificuldade de manter um relacionamento sério, uma filha que precisa cuidar do pai doente. O incômodo que Veronica sente, um estranhamento com algo invisível, uma angústia sem uma razão específica, cria uma identificação entre ela e seus pacientes.
O cineasta filma sem pressa, num movimento crescente que acompanha passo a passo da vida da personagem-título, emprestando aos poucos complexidade a seus dramas, envolvendo o espectador com a melancolia de suas dúvidas. Esse crescendo se reflete inclusive na própria interpretação de Hermila Guedes, econômica de início e dona de cenas poderosas na segunda metade do filme. A inquietude de Verônica remete ao mais célebre papel da atriz, em O Céu de Suely, sobre a frustração de uma mulher que voltou a sua pequena cidade depois de viver na metrópole. Não por acaso, Suely foi coescrito por Marcelo Gomes.
Embora Verônica não seja necessariamente um filme à procura de imagens bonitas, a fotografia de Mauro Pinheiro Jr encontra poesia onde menos se espera. As cenas de sexo e a sequência do Carnaval, com suas câmeras delicadas, mas inquietas ajudam a registrar o estado da personagem. Num dos mais belos planos, a protagonista flutua no mar em círculos, revelando a cidade grande no fundo da tela. O Recife emoldura Veronica, como se o cineasta fizesse questão de mostrá-la como fruto daquele lugar, um lugar que, como todas as metrópoles, proporciona ao mesmo tempo que encarcera seus habitantes.
Era uma Vez Eu, Verônica
[Era uma Vez Eu, Verônica, Marcelo Gomes, 2012]
Texto publicado originalmente no Uol.