[no meio das feras]


O Homem-Urso é um filme, por sua própria natureza, muito interessante: um documentário baseado quase que completamente nas cenas gravadas pelo próprio documentado, numa jornada muitíssimo particular que lhe tomou anos e que lhe tomou a vida. Werner Herzog faz um trabalho muito bem articulado de, a partir dos pequenos curtas gravados por Timothy Treadwell, montar sua história para o espectador. Dar uma coerência narrativa para imagens tão pessoais é um desafio para qualquer diretor. Herzog é bastante feliz ao compor esse mosaico, completado com entrevistas com pessoas que cercavam Timothy e muitos sobrevôos pelo Alasca.

Herzog não se satisfaz com a proposta inicial de mostrar a dedicação de Treadwell aos ursos, mas procura mergulhar nas razões de sua personagem, tentando, às vezes forçadamente, deixá-las mais claras. A sugestão de que seu êxodo para o Alasca partiria de um processo de envolvimento com drogas parece bastante frouxa. Herzog acerta quando generaliza essas motivações e mostra Treadwell como um homem que não se enquadrava num mundo humano – e que vai buscar na vida selvagem uma pureza que não vê mais no dia-a-dia.

Mas a que custo Herzog compõe essa teoria? Os trinta minutos finais de O Homem-Urso são dedicados, basicamente, a decompor a imagem de Treadwell, que se torna para o espectador não mais um maluco que se mete no mato com ursos, mas um homem de comportamento psicótico que se agarra no seu trabalho com as feras como forma de dar significado para sua vida. A cena em que ele se descontrola em frente à câmera é o ápice deste processo.

É também nessa parte do filme que a narração de Herzog deixa a contemplação e invade o terreno analítico, inclusive com o diretor afirma que discordava do retratado. Bem, diante de uma pessoa claramente perturbada, qual é a função de dizer que não se concorda com ela? Não seria como discordar de uma criança que repete incessamentemente “eu te amo, eu te amo, eu te amo” para seus bichinhos de pelúcia? Isso realmente me incomodou, assim como me incomodou a forçada tentativa de chamar Treadwell de cineasta, de atribuir-lhe talento cinematográfico. Nestes momentos finais, Herzog peca por não se resolver muito bem entre a homenagem e o ensaio, entre a crítica e a ode. Mas isso não faz com que O Homem-Urso, por sua própria natureza, deixe de ser um filme muito interessante.

[o homem-urso ]
direção e roteiro: Werner Herzog.
fotografia: Peter Zeitlinger. montagem: Joe Bini. música: Richard Thompson. produção: Erik Nelson. site oficial:
O Homem-Urso. duração: 100 min. Grizzly Man, Estados Unidos, 2005.

nas picapes: [the maker makes, rufus wainwright]

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