Cenas de um casamento em crise

Quem será que foi o fã do poeta menor dos anos 80 que deu o título nacional para este filme? As mentiras separadas do original parecem menos adequadas do que a escolha dos brasileiros já que a idéia do longa é da verdade nua, na cara. O ensaio de thriller interiorano – e inglês! – é apenas desculpa para as intenções reais do estreante Julian Fellowes: fazer emergir um casamento numa daquelas crise nubladas e partir para uma imensa – tá, não é tão grande assim – discussão de relação. E, me perdoem os que amam aqueles programas de casais em crise, mas discussão de relação é a coisa mais chata do mundo. “O que foi que eu fiz? Onde foi que eu errei?”. Ah, eu merecia mais num domingo de folga…

Para minha completa surpresa, este é o menor dos problemas do filme porque o curioso é que a D.R. nunca se completa, nunca acontece de fato. O texto – tem um livro antes do filme – se acovarda de assumir sua forma de conflito familiar e as coisas se resolvem na base dos “panos quentes”, com as personagens curiosamente se aproximando da corrupção moral dos habitantes de Los Angeles em Crash (2005). Sério. A referência foi imediata ao perceber que a dupla de protagonistas enxerga o mundo por uma via de comodismo com as situações mais constrangedoras, de manutenção do status quo, de aceitação de que “a vida é assim mesmo”. E a questão não é que a traição seja algo inaceitável, o que é inaceitável é se esquivar depois de jogar um tema na berlinda.

Desperdício de talento de Tom Wilkinson e Emily Watson. Ele tenta dar densidade ao discurso de sua personagem e ela, sempre naquele limbo de interpretação entre o ingênuo e o sarcástico, o débil e o sórdido. São raros os momentos em que se estabelece um clima realmente crível de tensão entre os dois. A cena da salada é uma das mais interessantes. Uma das poucas. De resto, você apenas quer que os créditos cheguem logo. E eles chegam. O que dizer quando a maior qualidade de um filme é sua curta duração?

Mentiras Sinceras
Separate Lies, Itália / França / Alemanha, 2004.
Direção e Roteiro: Julian Fellowes, baseado em livro de Nigel Balchin.
Elenco: Tom Wilkinson, Emily Watson, Rupert Everett, Hermione Norris, John Warnaby, Richenda Carey, Linda Bassett, Alice O’Connell, John Neville, Christine Lohr.
Fotografia: Tony Pierce-Roberts. Montagem: Alex Mackie e Martin Walsh. Desenho de Produção: Alison Riva. Figurinos: Michele Clapton. Música: Stanislas Syrewicz. Produção: Steve Clark-Hall e Christian Colson. Site Oficial: Mentiras Sinceras. Duração: 85 min.

nas picapes: Lili Marlene, Carly Simon.

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