Gosto dos Outros: Filipe Furtado
Zero de Conduta (Zéro de Conduite, 1933), de Jean Vigo.
Zero de Conduta está nas antologias há tanto tempo e é tão agradável de se ver que as pessoas já não percebem o tão radical ele é. Continua o melhor filme anarquista já feito e um que se arrisca na estética tanto quanto no discurso.
A Cruz dos Anos (Make Way for Tomorrow, 1937), de Leo McCarey.
O que fazer com os nossos velhos?. Yasujiro Ozu é provavelmente o cineasta que melhor cobriu tão espinhosa pergunta, mas meu filme favorito sobre o tema é este melodrama de McCarey. Orson Welles certa vez disse que este filme era capaz de fazer uma pedra chorar. Ele provavelmente tem razão.
Viagem a Itália (Viaggio in Italia, 1953), de Roberto Rossellini.
Sou convencido de que o cinema pode ser dividido entre antes e depois de Rossellini. Nós todos devemos algo a ele, mesmo que não se tenha certeza do quê. Há pelo menos meia dúzia de filmes de Rossellini tão perfeitos quanto Viagem a Itália, mas nenhum com final tão perfeito.
Hatari! (Hatari!, 1962), de Howard Hawks.
Howard Hawks ergueu um monumento a sua própria obra aqui. Deve ser o mais celebratório dos funerais. Tudo que importa ao cineasta está aqui e há um senso de liberdade que poucas vezes o cinema atingiu. Ao mesmo tempo é como se o filme nos lembrasse o tempo todo sobre a sua própria impossibilidade.
O Desprezo (Le Mépris, 1963), de Jean-Luc Godard.
Escondido no meio de O Desprezo há um plano onde Fritz Lang está saindo de uma sala de projeção na Cinecitta que cada vez que vejo me pega desprevenido. Um cineasta jamais filmou outro com tanta reverência e tristeza. Adoro quase todos os filmes de Godard, mas este é especial.
Badaladas à Meia-Noite (Chimes at Midnight, 1965), de Orson Welles.
O mais simples dos filmes. A batalha é merecidamente celebrada, mas o grande momento é mesmo quando o príncipe renega Falstaff, não há nada muito complicado acontecendo aqui mas é sem dúvidas um dos momentos mais gigantescos do cinema.
O Diabo Provavelmente (Le Diable Probablement, 1977), de Robert Bresson.
Bresson tem uma reputação excessiva de cineasta difícil (muito por culpa dos seus fãs e dele mesmo), mas há poucos filmes mais envolventes do que esse. É também prova de que Bresson esta longe de pertencer aos museus, é tão vital e radical quanto um filme de horror John Carpenter.
Aos Nossos Amores (À Nos Amours, 1983), de Maurice Pialat.
A cena do retorno do pai talvez seja a maior paulada de todo o cinema e por si só justificaria a inclusão do filme aqui. O realismo impressionista de Pialat está no auge aqui e ainda por cima há Sandrine Bonnaire aos 15 anos, este também é um grande retrato sobre uma jovem atriz se encontrando.
Amantes (Love Streams, 1984), de John Cassavetes.
O testamento de Cassavetes. Talvez não seja o seu melhor, mas foi com ele que me tornei fanático pelo cineasta, portanto é o meu favorito sentimental. Não me lembro de ter tido um choque estético tão grande quanto o de ver o filme pela primeira vez.
Água Fria (L’Eau Froide, 1994), de Olivier Assayas.
Tenho a tese de que todos os grandes filmes modernos são de alguma forma filmes de horror. Apesar de se passar na França, nos anos 70, poucos vezes me conectei tão diretamente com um filme. Assayas entende adolescência como poucos.
Mais dez incontornáveis: A Regra do Jogo (Jean Renoir), Os Carrascos Também Morrem (Fritz Lang), Caravana de Bravos (John Ford), No Silêncio da Noite (Nicholas Ray), Noite e Névoa (Alain Resnais), O Beijo Amargo (Samuel Fuller), Duas Garotas Românticas (Jacques Demy), A Mãe e a Puta (Jean Eustache), O Fator Humano (Otto Preminger), O Vento nos Levará (Abbas Kiarostami).
microentrevista
Qual foi seu primeiro filme no cinema?
O primeiro Batman.
Qual o cineasta que mais te instisga?
Em atividade provavelmente seriam Olivier Assayas, Kiyoshi Kurosawa e Abel Ferrara. Se fosse olhar para o passado seriam muitos pra escolher um só.
E o cinema brasileiro hoje, o que dizer?
O sistema de produção é todo errado, o que resulta num excesso de filmes merda e, o que me parece mais grave, uma dificuldade muito grande de certos projetos de cinema acontecerem. Agora, se formos pensar só nos filmes, creio que se comete com frequencia uma certa injustiça. Se pensarmos nos três ultimos anos, estamos de certo melhor do que por volta de 1999/2000. Não acho correto pegar e dizer que 2004 foi um ano muito ruim pro cinema brasileiro porque os filmes péssimos foram mais péssimos do que de hábito porque os filmes bons foram muito bons e isso me parece um dado muito mais importante. Quando há alguém fazendo um filme como O Prisioneiro da Grade de Ferro, as coisas não podem estar de todo mal.
O que te levou a escrever sobre filmes?
Engraçado, adora-se dizer que crítico é cineasta frustrado, mas desde que eu tinha 12, 13 anos de idade eu já gostava de escrever sobre filmes e música. Acho escrever uma forma de estender a experiência do filme por mais tempo e é uma continuação da conversa que eu tenho com os amigos. Abrir um blog foi uma forma de cobrir um universo de filmes maiores do que eu podia na Contracampo onde eu precisava obedecer a uma pauta.
Existe algum filme “incompreendido” que você ame?
Existem vários! Pareço ser meio que atraído por filmes malditos. New Rose Hotel, do Ferrara, para ficarmos num filme razoavelmente recente.
Filipe Furtado, 23, é estudante de cinema. Escreve além do blog Anotações de um Cinéfilo, para Contracampo e Cine Imperfeito e já foi públicado em revistas estrangeiras como The Film Journal e Rouge.