Se existe um mérito na biografia cinematográfica de Ray Charles é justamente mostrar sem muitos pudores o músico como junkie e com certas doses de mau caratismo. Ray, de Taylor Hackford, supreende porque foi concebido e desenvolvido enquanto seu retratado ainda estava vivo – o próprio Ray Charles participa do filme com novas gravações. Assim, de certa forma, o filme ganha ares de ousado e corajoso. E Ray Charles, que acompanhou aquilo tudo, muito mais por permitir aparecer para o mundo em situações tão constrangedoras.

Não que o que está na tela fosse segredo. Os escândalos de um dos maiores músicos do rhythm’n’blues (e talvez do século 20) ganharam jornais e revistas pelo mundo afora ao longo de décadas, mas pelo tom que o filme ganha. O vício surge como personagem importante, e a trajetória de Ray Charles se vê pontuada por momentos onde o músico teve postura moral discutível, como na troca de gravadora, no conformismo com o aparte racial (depois exorcizado) ou na maneira como sugere um aborto para a amante.

Ray perde pontos quando essa visão particular é colocada de lado e surgem as características de uma tradicional biografia musical. O filme é formal, correto e bem cuidado: direção de arte e figurinos impecáveis, montagem bem feitinha, fotografia que tenta muita beleza. Jamie Foxx realmente está muito bem no papel, apesar de se apoiar demais na caricatura e na imitação. Sharon Warren, que faz sua mãe, merece crédito pela bela perfomance. Mas um grande problema é transformar o vício de Charles na base de sua história. E pecado mais grave ainda é buscar redenção para os males que asssolam seu protagonista. Taylor Hackford parece acreditar que finais têm que parecer finais. Ray quer terminar de bem com todos, fechar questões, aparar arestas. A cena onde Ray Charles faz as pazes com os fantasmas de sua família é particulatmente constrangedora.

Ray EstrelinhaEstrelinha
[Ray, Taylor Hackford, 2004]

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