Filmes com protagonistas sexagenários não são tão comuns, mas quase todos giram em torno de um mesmo tema: onde acaba a vida? Um trabalho exemplar nesta quesito é o de Alexander Payne, em As Confissões de Schmidt, onde Jack Nicholson – que nunca havia enfrentado a questão com tanta intensidade – assume o velho que é e busca uma função no mundo depois da aposentadoria. Um filme sobre a passagem do tempo e as lacunas que ela deixa abertas para sempre.

Um ano depois, um paralelo interessante surge com Alguém Tem Que Ceder, escrito e dirigido por Nancy Meyers. No filme, Nicholson interpreta um conhecido seu no cinema: o coroa espertinho que gosta de garotas mais novas, talvez como forma de driblar a velhice iminente. Depois da proposta do trabalho anterior, o novo filme parece um retrocesso, mas o longa tem algumas boas qualidades. A primeira é a de confrontar o ator com uma rival a altura: Diane Keaton, que vive a mãe de sua namoradinha.

Enquanto o empresário do hip hop azara as mocinhas, a dramaturga de sucesso amarga a solidão. Nada muito diferente da vida real. Homem pode, mulher não. Nancy Meyers, com todo direito, quer defender seu sexo e promove um revés na trama do filme: a velha desperta o interesse de um rapaz bonitão, um médico bem-sucedido e muito mais novo. O mote para Keanu Reeves entrar em cena é o mesmo que faz o personagem de Nicholson começar a olhar sua sogra com outros olhos.

A discussão, a princípio, parece ser sobre a idade certa para um par perfeito, mas o filme vai além, debate a solidão de alguém que sofreu o golpe do passar dos anos. Os diálogos não têm nada de inovadores, mas são bem escritinhos e o melhor deles é quando, depois de uma noite de amor, Diane Keaton, espertíssima no papel, diz às lágrimas que achava que já tinha encerrado “aquela atividade”. Não importa quem era o sujeito ao lado. O que importava para a personagem era continuar. Era a plenitude que o tempo vai levando, o que, numa comédia romântica sem compromisso, já é bastante.

O que dizer então de um drama? Existem muitos sobre os tais velhinhos. Filmes que se sustentam na emotividade para conquistar platéias às custas de fazer penar os personagens (lembra da novela que já foi pro saco e que ganhou ares de produto de relevância social?). Pois bem, existe o caminho paralelo. Marcos Bernstein gosta de velhinhos. Do bom Central do Brasil ao intragável Oriundi, seus roteiros invadem o universo microscópico da idade avançada. Na sua estréia como diretor, o tema é o mesmo.

Em O Outro Lado da Rua, o instrumento para Regina deixar de pensar nas suas não-atividades é o binóculo que usa para espiar os vizinhos e passar informações para a polícia. A aposentada é uma informante no Rio de Janeiro. Desmonta quadrilhas e tudo. A cena em que se veste de moçoila e parte para uma boate beira o exagero, mas aí o filme se revela. Bernstein escreve um texto para alguém que insiste em ter um papel na vida. Mesmo que este seja o de personagem de um filme. E Fernanda Montenegro tira a missão de não ser óbvia de letra.

Da janela, ela vê o que parece ser um homem de sua idade matar uma mulher. Informação que chega à polícia, que invade o apartamento. Mas a notícia não está nos jornais do dia seguinte – o homem era um juiz renomado e a carreira noir de Regina é encerrada. Fim da missão e da sua última justificativa. Regina, então, parte atrás do criminoso. Sua busca não é pela justiça em si, mas por uma motivação para si mesma. Lá pelas tantas, o crime não importa mais, mas a descoberta de uma possibilidade.

Bernstein investiga o medo da senilidade, do ostracismo, da não-significação. Resvala muitas vezes nos clichês do tema, mas sempre dá um jeito de contorná-los e construir um filme bem sincero sobre a velhice e a perda da identidade. Sua principal parceira é Fernanda Montenegro. Tô pensando agora numa maneira que não seja muito óbvia, muito chavão de dizer que essa mulher é capaz de coisas sensacionais. Acho que não vou conseguir. Tô pensando, tô pensando, peraí…

Alguém Tem que Ceder EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[Something’s Gotta Give, Nancy Meyers, 2003]

O Outro Lado da Rua EstrelinhaEstrelinhaEstrelinha
[O Outro Lado da Rua, Marcos Bernstein, 2004]

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