MESTRE DOS MARES: O LADO DISTANTE DO MUNDO

Obras com universos muito específicos podem ser bastante perigosas. Mestre dos Mares: O Lado Distante do Mundo, novo filme de Peter Weir, faz, portanto, parte deste grupo. O roteiro condensa uma série de livros do escritor Patrick O’Brian, que narra os feitos da marinha britânica mar adentro na época das Guerras Napoleônicas. A ação se passa, então, em navios, um campo de ação restrito e essencialmente masculino. À primeira vista, o longa poderia ser confundido com um épico sobre as águas, condição sustentada pela presença de Russell Crowe no leme do elenco. Mas Peter Weir passou longe do porto seguro da grandiosidade. Seu filme não é pequeno na duração, mas em suas escondidas delicadezas.

O foco não são as batalhas: há apenas duas nos muitos minutos do filme. O que importa é o comportamento das personagens e a teia de relações que se estabelece entre elas, gerando discussões que envolvem hierarquia, ordem, missão e amizade, temas que poderiam facilmente explodir em clichês. Mas Peter Weir consegue em Mestre dos Mares algo que nunca havia conseguido em sua carreira: faz um filme sensível sem recorrer a emoções básicas que fazem platéias chorarem, faz um filme sensível e seco. Russell Crowe dá um tempo no seu mau humor de garanhão australiano e volta a se mostrar um bom ator. Sua personagem é rica e cheia de detalhes, explorados com tratamento inteligente pela narrativa.

O mais forte destes detalhes é a amizade entre o capitão de Crowe e o médico interpretado por Paul Bettany. Um contrapõe o outro. Um completa o outro. Os opostos que fazem atraentes, no entanto, ganham a melhor das boas idéias do roteiro: eles não entram em embate por causa de suas diferenças, mas exatamente porque têm a mesma visão de mundo, porque são extremamente parecidos. Os atores já haviam feito dupla no fraco Uma Mente Brilhante (01), o que parece ter criado mais intimidade entre eles. Se Russell Crowe está bem, é Paul Bettany quem entrega o melhor papel do filme, um dos melhores coadjuvantes do ano. Um personagem que sonha com os pés no chão, capaz de procurar uma ave rara no meio de uma batalha com um navio inimigo.

As tempestades da história não afetaram o ritmo da narrativa. Peter Weir conduz com calma e tranqüilidade seu filme, incomodando platéias que talvez esperassem uma obra de outro tipo. Ao declinar da ação em prol das personagens, o diretor se apóia numa proposta diferente para fazer de Mestre dos Mares um de seus melhores filmes, talvez o melhor. Um anti-épico embalado por uma trilha sonora incomum para um filme naval, onde um duelo de violinos, de comum acordo entre as partes envolvidas, é a guerra mais interminável que alguém possa travar.

Mestre dos Mares: O Lado Distante do Mundo
Master and Commander: The Far Side Of The World, Estados Unidos, 2003
Direção: Peter Weir.
Elenco: Russell Crowe, Paul Bettany, James D’Arcy, Edward Woodall, Chris Larkin, Max Pirkis, Jack Randall, Max Benitz, Lee Ingleby, Richard Pates, Robert Pugh, Richard McCabe, Ian Mercer, Tony Dolan, David Threlfall, Billy Boyd, Bryan Dick, Joseph Morgan, George Innes, William Mannering, Mark Lewis Jones, John DeSantis, Ousmane Thiam, Thierry Segall.
Roteiro: Peter Weir e John Collee, baseados nas novelas de Patrick O’Brian. Produção: Samuel Goldwyn Jr., Duncan Henderson e Peter Weir. Fotografia: Russell Boyd. Edição: Lee Smith. Direção de Arte: William Sandell. Figurinos: Wendy Stites e Kacy Treadway. Música: Iva Davies, Christopher Gordon e Richard Tognetti.

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