O diferencial das animações da Pixar diante dos filmes de outros estúdios sempre foi além da computação gráfica: estava no acabamento dos roteiros, no tratamento mais tridimensional dos personagens, na profundidade dos contextos e diálogos. Sem deméritos às animações tradicionais, mas quando a Pixar lançou seu primeiro longa-metragem, Toy Story, em 1995, inaugurou uma maneira mais elaborada de se fazer filmes animados, com inteligência, sem subestimar a capacidade de interpretação da criança, alvo principal do gênero.
Ainda que os resultados tenham tido altos e baixos ao longo dos anos, o resultado sempre esteve acima da média e as incursões do estúdio – até agora – sempre mantiveram uma linha, a de renovar a tradição. Por isso, Valente inaugura um novo capítulo para a Pixar, que segue os caminhos da matriarca Disney, utilizando uma de suas fórmulas de maior sucesso, a do filme de princesa. Merida, como tantas outras herdeiras do estúdio do Mickey, tem um quê de rebelde, mas a história que vemos na tela é, em sua maior parte, bem tradicional.
A escolha dos diretores parece indicar aonde se pretende chegar com o filme. Mark Andrews é um estreante em longas e Brenda Chapman só assinou a animação religiosa O Príncipe do Egito. Isso há 14 anos. Não era Disney, mas seguia o mesmo formulário. A história da princesa Merida reprisa muitas das regras do sub-gênero, com uma história simples, uma penca de coadjuvantes engraçadinhos, com destaque para os trigêmeos, e um vilão poderoso, o urso Mudru. À primeira vista, nada muito fora do padrão.
Mas, se a Disney dá as cartas com seus momentos-canção e seu humor inocente, a Pixar aparece nas entrelinhas, mantendo uma tradição que é sua, a de trazer algo de novo. O água-com-açúcar sempre esconde elementos interessantes, como o próprio perfil da protagonista. Merida, ao contrário de outras heroínas da Disney, não está à espera de seu príncipe encantado. Ela é muito bem resolvida em seu desleixo adolescente que pode ter ou não indicações de uma orientação sexual diferente da de praxe, com uma princesa que adora arco-e-flecha, cavalga com destreza e se importa bem pouco com sua aparência.
Os cabelos desgrenhados não são os únicos indícios de que esta é uma história diferente. O feitiço que determina a transformação de sua relação com a mãe embora materialize um perfil maternal bastante clássico, o que pode parecer uma metáfora óbvia, também é de uma ousadia notável. A figura da rainha boa é quase imaculada nas animações, mas aqui existe uma permissividade para se brincar com esse papel – e muitas vezes o tom é de balbúrdia. É quase incômodo. Essa “falta de respeito” dá ao filme uma conotação de releitura diante do clássico. A trama se resolve, mas muito fica em aberto, sem se resolver pela menos da maneira mais tradicional. Para um filme da Pixar, um passo tímido. Para um filme da Disney, uma pequena revolução.
Valente
[Brave, Brenda Chapman e Mark Andrews, 2012]
Também senti que a principal fraqueza do filme é o roteiro. A trama borbulha com essas inovações que você apontou, uma ambição de dar um tratamento diferente a uma história já quase esgotada. Infelizmente, ao mesmo tempo há um impulso contrário que se revela no humor bobo e nas cenas musicais. O resultado é um filme um pouco frouxo, que não empolga nem pelo clichê nem pela ousadia. Parecia que faltava “história”, o filme é quase um conto, mas com um tratamento mais épico. Essas desconexões acabaram impedindo o filme de ser mais sólido.
Bela definição. É o que me impede de gostar mais do filme.
Gisuizim! preciso assitir! só o sotaque da princesa e o rei remedando, já vale o ingresso, ri muito no trailer, bom sinal!!! uhu!
Eu achei mais legal do que imaginava.
Eu fiquei bastante satisfeito com um filme. Aliás, eu não via uma animação no cinema com prazer desde PONYO. Gostei muito do tema da construção do próprio destino versus o que a vida (ou a tradição) impõe, que é bastante complexo para uma criança até. Além, é claro, daquele visual lindão da paisagem escosesa.
Eu acho que a ousadia está em segundo plano, mas isso não é necessariamente ruim.
Não vejo problema se o filme tem roupagem mais Disney do que Pixar. O estúdio do Mickey, ao longo de décadas, foi infalível com as crianças, mesmo com suas caretices. Tenho certeza que a meninada não fica reparando em fragilidades e obviedades. Esse é o olhar do adulto. E talvez eu tenha gostado tanto de “Valente” por ter me sentido criança novamente ao ver o filme.
Teve algumas falhas, Mitchel, mas teve muitos acertos mesmo. Quanto ao olhar, acho que é natural cobrar um algo a mais porque a Pixar gera esta expectativa.
Eu achei o filme muito mais Disney do que Pixar. Mas meu filho gostou bem mais do que eu esperava. Talvez eu tenha deixado passar as entrelinhas…
Mas que o roteiro tem suas fragilidades e obviedades, isso tem. E ainda não entendi bem a razão e condução da trama feita pelos pequenos espíritos azulados.
Eu acho que o roteiro, no geral, deixa a desejar. Mas gosto do que ele nos oferece quase escondido.
Quando acabou Julinha disse: “É um filme triste. Mas tem um final feliz”. Achei uma colocação curiosa pra uma menina de 6 anos. Ela sentiu algo diferente ali. E percebi ao longo da sessão que ela se envolveu emocionalmente com o filme, bem mais que o que seria “natural”. Comunica algo forte pras crianças.
Olha, interessante saber disso, Má. Acho que o filme parece bem tradicional, mas tem um diferencial nas entrelinhas.
Concordo que a abordagem é bem inovadora, mas fica muita ponta solta. Se, por um lado, existe o cuidado em criar uma heroína diferente, por outro, a trama é pobre, poluída com um monte de elementos que não se encaixam.
Também acho que o roteiro fica devendo, Larissa, sobretudo em comparação com o que a Pixar já nos deu. Mas, para mim, o que parecia ser destinado à mesmice apresentou umas boas surpresas.