A Turquia de Era Uma Vez na Anatólia é um país dividido em dois: de um lado há uma terra secular que ainda guarda em seu dia-a-dia o peso de sua tradição e de sua história. De outro, uma nação que tenta ingressar no mundo contemporâneo, mas se perde na burocracia inerente à maneira que sua sociedade se organizou. A primeira impressão do filme é de que o cinema de Nuri Bilge Ceylan está em seu ponto mais alto. Ao mesmo tempo em que constrói planos belíssimos, o diretor começa a costurar uma história policial com um tempo raro, quase sem ação, mas mantendo o mistério. O primeiro e esdrúxulo diálogo dos personagens dentro do carro remete a Quentin Tarantino e a herança do título “Era uma Vez” dá uma grandiosidade que parece não pertencer, mas que estranhamente cabe ao filme.
A primeira parte do longa, com a busca incessante pelo local de um crime do qual o espectador sabe muito pouco, é a melhor. Como Ceylan mira menos nesta caçada e mais nos bastidores dos personagens envolvidos, revelando detalhes sobre os métodos e o modus operandi do sistema judicial/policial da Turquia, a comparação com Polícia, Adjetivo, um filme melhor, não é leviana. Da mesma forma que Corneliu Porumbouiu faz um raio x do processo da polícia romena, Ceylan observa com cuidado os movimentos internos da instituição em seu país, um país que parece em conflito interno.
O cineasta, com um objeto maior, não precisa recorrer aos golpes de roteiro que o acompanham nos últimos três longas, o que resulta num filme mais limpo e mais contudente, embora mais inflado. A longa duração de Era uma Vez na Anatólia às vezes opera contra o filme e prejudica seu fluxo: não raramente parece mais uma justificativa para citar o modelo de título herdado de Sergio Leone, para metabolizar a investigação sociológica proposta do que para acompanhar a velocidade com que as coisas acontecem. Mas se a beleza dos enquadramentos fica banalizada por algum excesso e os detalhes se tornam menos interessantes, a grandiosidade do objeto parece ter ajudado o trabalho do diretor. Por mais que este filme tenha um cuidado especial com a imagem, pela primeira ele não peca pelo exagero de verniz e deixa de lado a afetação de 3 Macacos, seu antecessor. Era uma Vez na Anatólia é um mosaico realista de um país ainda em busca de seu lugar no mundo.
Era Uma Vez na Anatólia ½
[Bir Zamanlar Anadolu’da, Nuri Bilge Ceylan, 2011]
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